quinta-feira, 30 de outubro de 2025

O cometa, a Caixa e o caos

 

Renata Abalém – O cometa 3I/ATLAS, descoberto em julho de 2025 pelo programa homônimo da NASA, é um visitante discreto: desliza pelo cosmos numa elegância blasé, vindo sabe-se lá de qual vizinhança estelar. Seu periélio, o ponto de maior aproximação ao Sol, ocorreu ontem, data que, para os astrônomos, significa um espetáculo de partículas e poeira; e, para as redes sociais, uma oportunidade de pânico gratuito e vídeos com trilha de suspense.

 

Nada de novo sob o Sol (literalmente). O 3I/ATLAS está a mais de duzentos milhões de quilômetros de nós, mas conseguiu, sem qualquer esforço próprio, virar manchete apocalíptica. Há quem jure que ele trará mensagens cósmicas, que emitirá ligas metálicas nunca antes vistas e que será, de alguma forma, um sinal de “transição planetária”. Em resumo: o periélio real é astronômico; o periélio especulativo, sociológico, gira em torno da ansiedade coletiva e do algoritmo.

 

O curioso é que, em matéria de catástrofes inventadas, o brasileiro é pioneiro. Somos o único povo que já viveu, literalmente, um eclipse bancário: um apagão financeiro provocado não por cometa algum, mas por boato. Em 2018, uma corrente de WhatsApp anunciou que a Caixa Econômica Federal estava quebrada, que os saldos seriam confiscados e que, se o cidadão não corresse, perderia o FGTS e a poupança. Bastou isso.

 

De um dia para o outro, filas dobraram quarteirões, terminais de autoatendimento ficaram sem cédulas, e o Brasil descobriu uma nova modalidade de pânico: o periélio da desinformação doméstica. O dinheiro, assim como o cometa, evaporou e por motivos bem menos poéticos. Nenhum astrofísico previu, mas a Caixa entrou na órbita emocional de milhões de correntistas.

 

Entre o 3I/ATLAS e o “Apocalipse da CEF”, há uma diferença de natureza, mas não de mecanismo. Ambos se movem segundo a força da gravidade informacional: um atrai telescópios; o outro, multidões. O primeiro nos ensina sobre a origem do sistema solar; o segundo, sobre o colapso do bom senso em rede nacional.

 

E se quisermos entender juridicamente esse eclipse mental, há caminho claro: o Código de Defesa do Consumidor não protege apenas o bolso, mas o direito de ser informado com veracidade (art. 6º, III). O problema é que, no Brasil digital, o fornecedor da mentira raramente tem CNPJ, ele é o amigo, o primo, o “print” de alguém que conhece “um gerente do banco”. Como aplicar o CDC ao parente alarmista do grupo de família?

 

Talvez devêssemos criar o CDC-Interplanetário, que punisse quem anuncia o fim do mundo sem nota técnica da NASA ou, ao menos, um rodapé de jurisprudência. Até lá, resta-nos o humor como forma de resistência.

 

Ora, o 3I/ATLAS passou: bonito, silencioso, científico. Já as fake news, essas orbitam em torno de nós com persistência quase cósmica, reacendendo o medo e desligando o raciocínio. Em ambos os casos, o brilho vem de longe, mas só um ilumina de fato. O outro apenas encena.

 

No fundo, o que o cometa e a quebradeira fake da Caixa nos ensinaram é que o brasileiro acredita com fervor em tudo que vem de cima, seja do céu, seja do grupo do condomínio. E talvez o verdadeiro periélio seja esse: o instante em que a inteligência se aproxima demais da internet e corre o risco de derreter.

 

P.S.: se por acaso ao ler isso, já tivermos sido todos abduzidos, releve o texto, a teoria da conspiração terá vencido!

Este post foi escrito por: Renata Abalém

As opiniões emitidas nos textos dos colaboradores não refletem necessariamente, a opinião da revista eletrônica.

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