quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Brincando de casinha

 

Uma amiga me contou que sua filha de 10 anos negou-se a arrumar o quarto e recolher a toalha largada no chão depois do banho. “Mãe, você não viu o filme na TV dizendo que criança não pode fazer trabalho de casa? Eu conheço os meus direitos!”

 

Na época, final dos anos 90, a TV estava veiculando um comercial da Fundação Abrinq e da OIT – Organização Internacional do Trabalho – criado voluntariamente pela minha equipe da agência McCann. Ao mesmo tempo, nessa época, eu era Conselheiro da Fundação Abrinq.

 

A mensagem filme era simples e clara: alertar para a crueldade que é trazer crianças para dentro de casa e fazê-las trabalhar, digamos, como mini domésticas, mini babás.
O salário dessas crianças também é mini: teto, cama, roupa, comida e uns trocados.

 

Muitos, sinceramente, podemos acreditar que estamos praticando uma boa ação. Afinal, essas crianças poderiam estar nas ruas, mendigando, traficando, vendendo-se para o crime e para o sexo.

 

O engano é este: famílias que abrigam crianças carentes e as põem para trabalhar em casa estão roubando. Sim, roubando.

 

Roubando a chance de essas crianças brincarem, de crescer junto de suas próprias famílias, de estudar. Roubando a infância delas, a chance de elas serem crianças. Roubando o seu futuro desde já.

 

Imaginem a cena: uma menina pobre, eternamente agradecida àquela família que a acolheu, passando aspirador na casa, preocupada em não atrapalhar a filha da patroa, que tem a mesma idade dela e está brincando de casinha no carpete felpudo da sala.

 

Alguém aí falou em trabalho escravo? Minha amiga falou, para filha dela. Minha amiga aproveitou o filme da TV e a reação esperta da filha. Explicou como ela, a filha, é privilegiada num país onde tantas crianças dariam a vida para poder arrumar seu próprio quarto e poder pegar uma toalha fofinha no chão depois de um banho quentinho.

 

Viva a TV, viva a Internet, viva a informação que chega às toneladas aos nossos filhos.

E viva nós, pais esclarecidos, que temos o dever de abrir o coração e a razão de nossos filhos, para que essa informação toda construa cidadãozinhos melhores.

 

Cidadãozinhos que sejam responsáveis e colaborativos, que dividam pequenas tarefas rotineiras dentro de nossas casas. E que cresçam cidadãos responsáveis e colaborativos nas tarefas maiores desse país.

 

Quer ajudar de verdade essas crianças carentes a ter um rumo na vida? Procure uma ONG que trabalhe a sério com a questão da Infância.

Existem muitas, todas elas cheias de programas e projetos. Você vai encontrar o seu modelo e o seu número justo, que calça direitinho a sua consciência responsável.

Será mais um belo exemplo para seus filhos.

 

 

Foto de Drift Shutterbug no Pexels

 

Este post foi escrito por: Percival Caropreso

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