PANC´s: alternativas de sabor e nutrição
PANCs é a sigla para as Plantas Alimentícias Não Convencionais. Elas faziam parte da alimentação no passado, e ainda podem ser consumidas, embora tenham sido substituídas por alimentos com maior interesse e oferta comercial ao longo dos anos.
PANCs é um termo criado para designar aquelas plantas que podem servir de alimento, mas que não são tipicamente disponibilizadas na sua região através do comércio tradicional. Não é uma categoria, família ou classe de plantas.
O termo foi criado em 2008 pelo biólogo e professor Valdely Ferreira Knupp e refere-se a todas as plantas que possuem uma ou mais partes comestíveis, sendo elas espontâneas ou cultivadas, nativas ou exóticas que não estão incluídas em nosso cardápio cotidiano.
Incluem-se neste contexto as partes de plantas que também não são geralmente ingeridas, como as folhas da batata doce, da cenoura, da beterraba, o umbigo da bananeira, e outras.
As PANCs podem ser encontradas em praticamente qualquer local ou região de acordo com a biodiversidade do lugar. Cada bioma brasileiro abriga tipos diferentes de espécies mais propícias para a alimentação. Em regiões do interior do Brasil é comum as famílias cultivarem alguns exemplares. Muitas dessas plantas, inclusive, são amplamente consumidas por comunidades indígenas ou ribeirinhas.
É preciso resgatar os conhecimentos das populações nativas para avivar a memória cultural e lembrar as propriedades benéficas destas plantas. Em geral, elas possuem grande poder nutricional e consumi-las ajuda a ampliar e diversificar a dieta. A partir do momento eu que há possibilidades de diversidade no prato, automaticamente a nutrição vem junto, explica Michel Ribas, especialista em PANCs.
Estas plantas aportam mais fibras, vitaminas e minerais essenciais à rotina alimentar, o que favorece a manutenção de uma dieta saudável e equilibrada. As vantagens para o organismo são amplas, incluindo melhor atividade intestinal e prevenção de uma série de doenças.
Todo este universo alimentar trazido para dentro da cozinha nos permite ressignifica-lo e explorá-lo em infinitas possibilidades, desde um simples suco verde ou uma salada até mesmo em pratos mais elaborados, seja em ambiente doméstico ou profissional, esclarece o chef Michel Ribas.
Reintroduzi-las na nossa alimentação é buscar na memória cultural usos e costumes de colher, nos arredores da nossa casa, fazenda, zona rural, terrenos baldios, esses “matinhos verdes” que dão novos sabores, cores e nutrientes à nossa alimentação cotidiana.
Mas como identificar uma PANC? Com certeza você passa por uma todo dia e nem se dá conta. Sendo plantas rústicas que brotam de maneira quase espontânea, geralmente em ambientes onde já estão inseridas, essas plantas rústicas não são afetadas por muitas pragas, como acontece nas lavouras, e não exigem mão de obra para cultura como as espécies importadas para o Brasil (batata, uva, mirtilo etc).
No site Matos de Comer você poderá observar as características para identificar uma grande variedade de PANCs. Inclusive, para saber quais podem ser consumidas cruas e cozidas ou somente cozidas.
As PANCs são opções ótimas para diversificar, acrescentar sabor, cores e nutrientes à uma simples salada de alface; por exemplo. Você já imaginou que luxo poder colher essas plantas do seu vaso na varanda da sua casa, do seu quintal, da sua cozinha?
Já é possível, em Goiânia, ter acesso a um “kit saúde”, que são vasos com suas PANCs preferidas. O chef Humberto Marra, há muitos anos um estudioso, divulgador do assunto, transformou sua residência e seu quintal num laboratório de desenvolvimento e cultivo das PANCs mais conhecidas da nossa região.
Em nossas conversas, ele explica que as PANCs são nutricionalmente muito interessantes, precisam de água, mas não exigem muitos cuidados, duram duas semanas na geladeira, compõe com outras verduras orgânicas, possibilitando diariamente combinações de sabores, cores, texturas. Por exemplo, a comentada ora-pró-nobis que existe em diferentes apresentações (trepadeira com espinhos; arbusto). Cozida no feijão acrescenta suas propriedades para aumentar o nível de ferro do organismo. Dá sabor especial quando picadinha na sua omelete ou no tempero da carne de porco assada ou cozida.
O chef Humberto Marra criou um maravilhoso prato que representa bem a composição de PANCs e orgânicos e tem encantado quem prova essa iguaria: a “Farofalada” (veja receita ao final da matéria). Este prato compõe-se de camadas de folhas, temperos, PANCs com sabores específicos e farofa ou paçoca de carne de sol.
Em conversas com pessoas mais velhas das nossas famílias certamente aparecerão nomes de plantas usadas antigamente nas nossas cozinhas e que se encaixam, hoje, na denominação PANCs.
Quem são elas
A taioba: rica em fibras, cálcio, magnésio e boro, fundamentais para a saúde óssea, é muito consumida no Rio de Janeiro. Ela é uma folhagem que possui também cobre e manganês que ativam nosso sistema imunológico; ferro e vitamina C. Além de enfeitar um jardim, possui propriedades medicinais para reduzir a gordura no fígado e prevenir o câncer de colo retal. Recomenda-se que seja consumida cozida ou fervida, refogada como couve picada, ou na versão de charuto.
A ora-pro-nóbis: muito conhecida em Minas Gerais é utilizada como cerca viva por conta dos seus espinhos. Além de comestível, representa grande fonte de proteínas e aminoácidos, como a lisina e triptofano. Auxilia na prevenção do câncer de cólon, tumores no intestino, diabetes e diminui os níveis de colesterol ruim. Ajuda, ainda, no fluxo de alimentos pelas paredes intestinais e na recomposição da flora intestinal devido ao seu alto teor de fibras, fato que auxilia na perda de peso. Muito saborosa compondo prato de carne de porco assada, galinha caipira, omelete, entre outros.
A vinagreira: em alguns lugares é conhecida como “caruru-azedo”, “azedinha” ou “quiabo-azedo”. Possui propriedades medicinais e partes comestíveis. As folhas, flores e raízes são usadas na gastronomia. Rica em ferro e de sabor picante, as folhas podem ser usadas como verdura em saladas, além de refogadas ou cozidas, como no famoso arroz de cuxá.
A araruta: é rica em vitamina D, fibras e potássio, aumenta o metabolismo e a circulação, reduz a pressão arterial e auxilia na saúde do sistema digestivo. Dos seus rizomas obtém-se um polvilho que engrossou a mamadeira de muitas crianças e manjares para sobremesa.
A azedinha: também conhecida como azedeira, tem sabor que lembra o gosto azedo do limão e dá um toque especial em saladas, mas também podem ser consumidas em sucos, cremes, sopas e geleias. É fonte de fibras e rica em ferro e vitamina C.
A beldroega: suculenta e rasteira, é uma planta que apresenta pequenas flores amarelas e pode ser consumida cozida ou crua. Além de ser uma rica fonte de ômega-3, recomendada para problemas cardiovasculares, apresenta propriedades diuréticas, analgésicas, anti-glicêmicas, fazendo jus ao seu famoso poder curativo.
A bertalha: é uma planta da família da alface, da carqueja, da alcachofra e até de outras PANCs como o jambu. É de porte pequeno e seu cultivo é muito simples. É considerada erva daninha, pois suas sementes, carregadas pelo vento, crescem em qualquer tipo de solo. Tem sabor levemente amargo, como o espinafre, e vai muito bem como salada, refogada e na composição de sopas e cozidos. É fonte de zinco e manganês, magnésio, cálcio, potássio, fósforo, sódio, ferro, além de vitaminas C, B2 e B6, e possui mais proteínas de fibras alimentares que o próprio espinafre.
O espinafre amazonense: muito conhecido na região amazônica, é facilmente encontrada em feiras livres, quintais das casas e roças. Em outros países é conhecida como brazilianspinach. Suas características nutricionais são superiores até mesmo às das hortaliças folhosas convencionais como alface, couve e rúcula. Além de nutritivo, apresenta alto teor de vitaminas A, B9 (ácido fólico), C e K, carotenoides, flavonoides, fibras e minerais, como o ferro, cálcio e potássio.
A begônia: entre as flores, é símbolo de jovialidade e fertilidade, além de ser utilizada na ornamentação por sua folhagem atraente. As folhas, ramos, flores, tanto crus como cozidos, podem ser consumidos. As folhas apresentam um sabor azedo e são utilizadas para o preparo de refogados, sucos e saladas. As flores, de sabor cítrico, compõem bem a decoração em saladas ou outros pratos. Os benefícios do consumo incluem tratamentos de resfriado, questões do sistema digestivo, bronquite, asma, reumatismo.
Mastruz: também conhecido como erva-de-santa-maria ou epazote, que na culinária mexicana é usada para temperar feijões, carnes, recheios de quesadillas e outras receitas. Funciona como vermífugo, antisséptico natural e como chá ajuda a tratar a gastrite e desconforto estomacais. Usada com outras ervas a bebida fica mais saborosa e benéfica para gripes, resfriados, sinusites. Como cataplasma pode tratar picadas de insetos e inflamações de pele.
O coração de bananeira: ou mangará é o bulbo de cor roxa, comestível, inferior à penca de bananas. É fonte de vitaminas, minerais e fibras. Previne a prisão de ventre, fortalece a imunidade, previne a osteoporose e a anemia, alivia o estresse e ansiedade. Seu consumo é variado: recheio de tortas, quiches, pasteis, e compõe bem receitas vegetarianas e vegana.
A acariçoba: folha-de-santa-luzia ou erva-capitão é uma herbácea rizomatosa de folhas arredondadas que prefere solos úmidos e arenosos. Tem ação diurética e anti-hipertensiva. Pode ser consumida crua ou cozida. O cheiro de seu caule lembra a cenoura e o gosto da folha, a salsinha.
Existem infinidades de PANCs em nossos biomas e em biomas internacionais. Seria difícil nomear todas elas. É um trabalho de pesquisa, descoberta para a promoção de uma boa experiência gastronômica e nutricional.
Finalizando, concordo com Guilherme Lobão (Distrito Federal) que acredita na perspectiva de livrar-se do termo PANC considerando que essas plantas foram e são convencionais na nossa dieta.
FAROFALADA
(rende 10 porções)
Faça camadas dos itens abaixo:
- 01 maço de mostarda ou couve finamente picadas;
- PANCs variadas que podem ser:
- 50 gramas de bertalha coração picada grosseiramente;
- 50 gramas de folhas novas de begônia (reserve as flores para a decoração do prato);
- 50 gramas de acariçoba picadas;
- 50 gramas de espinafre amazonense;
- 500 gramas de tomates maduros picados miúdos;
- 100 gramas de picles da sua preferência picados miúdos;
- 100 gramas de azeitonas verdes picadas;
- 200 gramas de queijo meia cura ralado;
- 300 gramas de farofa ou paçoca de sua preferência.
Vinagrete de pitanga ou mastruz:
- 4 tomates maduros picados miúdos;
- ½ cebola branca picada finamente;
- ½ pimentão verde picado finamente;
- Suco de 2 limões china;
- ½ xícara de azeite;
- Sal a gosto
- 2 colheres de sopa de brotos novos de pitanga picados finamente ou 2 colheres de sopa de mastruz picados finamente.
A cada camada de folhas acrescente os demais ingredientes e um pouco do vinagrete e da farofa. Finalize com as flores de begônia.