A triste história do passarinho rebaixado a general
Foi um mau presságio, aqui pros lados da Granja Vianna, que é a parte chic e privilegiada do município de Cotia. Há poucos anos a Alameda Tangará mudou de patente, de posto e de nome: foi condenada a ser Rua e não mais Alameda. Foi rebaixada de Passarinho pra Militar. E mudou de nome: Rua General Fernando Vasconcellos Camargo Albuquerque.
Foi o começo do fim e ninguém se deu conta.
Essa alameda-passarinho era um caminho sem saída, mas era uma saída para um lugar bonito, além de uma estrada, a Raposo Tavares. Hoje essa rua-general é uma formação em ordem-unida, ao longo da qual se perfilam poucas árvores, obras e máquinas, muitos carros estacionados irregularmente. Hoje essa rua-general sai de uma pseudo-rodovia,
a mesma Raposo Tavares, agora uma avenida lenta. Essa rua-general se inicia na obra de um shopping , que está ao lado da obra de um hipermercado, e vem terminar aqui em cima, depois de se estreitar em 1.250 metros de paralelepípedos, um piso permeável, que ainda insiste em absorver a água das chuvas. Os últimos desses metros por enquanto continuam ladeados por paineiras, cujos flocos nevam de várias cores o caminho em plena primavera tropical.
Quem consegue chegar até essas paineiras, enfrenta o transtorno de obras recentes de lançamentos imobiliários. Três? Quatro? Talvez cinco empreendimentos. Tanto faz, porque todos eles destroem as promessas que suas próprias propagandas apregoam: Verde, Paz, Tranquilidade, Vida junto à Natureza.
Fico imaginando a vista panorâmica que esses novos granjeiros terão: os quintais de serviço, os varais de roupa, os canis, os fundos das casas de condomínios contíguos. Fico pensando de onde virão a água, a energia elétrica, o saneamento, a coleta de lixo, os serviços de correio, as linhas telefônicas, as bandas largas para esses nossos novos vizinhos – afinal tudo isso já nos é escasso e precário hoje. Fico pensando nos mais de 500 novos carros que circularão todo dia, subindo e descendo a estreita alameda-passarinho que virou rua- general. Fico pensando nesses mesmos carros como novos colegas de asfalto, estáticos e apáticos, engrossando os congestionamentos da Raposo Tavares. Fico pensando na mensagem do Instituto Socioambiental, uma ong séria, que diz: progresso, sim, mas não a qualquer preço. Fico pensando naquela mensagem de uma outra ong séria, o Greenpeace: não é esta nossa geração que queria transformar o mundo nas décadas de 60 e 70? Parabéns, todos nós conseguimos. Por atos ou omissão.
Percival Caropreso e família
35 anos de Granja
Legenda
O Tangará: o macho tem topete amarelo, a fêmea verde, bem mais discreta para driblar predadores . É ela que passa a carga genética para as futuras gerações.
Foto: Nunes D´Acosta