sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Baderna não pode ser objeto do afago

 

Marcio Fernandes – Eu estava em Madrid na noite de 14 de novembro de 2012, conhecida como 14-N. Na data aconteceu uma das maiores manifestações populares da Espanha desde o fim da Era Franco (1939 – 1975). Mesmo com aquele vento cortante típico de dia frio na capital espanhola, que lambe a Serra de Guadarrama antes de ser canalizado nas ruas da cidade, foi realizado um megacomício promovido pelas duas maiores centrais sindicais e outras 150 organizações civis.

 

Os objetivos eram protestar contra as políticas de austeridade fiscal impostas pela União Europeia em razão da crise econômica iniciada em 2008, pedir a cabeça de Mariano Rajoy, então primeiro-ministro, e convocar uma greve geral em todo continente. Acabou acontecendo só na própria Espanha, na Itália, em Portugal, no Chipre e em Malta. As dezenas de milhares de pessoas que lotaram o amplo espaço da Plaza de Colón, e se estenderam longe pelo Paseo de Recoletos, deram exemplo de manifestação democrática gigantesca que mobilizou praticamente todos os setores da sociedade madrilenha.

 

O sistema de metrô de Madrid é fantástico. Então, terminado o comício, a dispersão da multidão fluía com normalidade. De repente, a situação se converteu em caos. Facção de encrenqueiros profissionais de ultraesquerda, chamada Bukaneros, altamente violenta, iniciou quebra-quebra expressivo no centro histórico de Madrid. Além de portar arsenal destinado a produzir desordem urbana, inclusive explosivos, os caras arrancaram a proteção metálica que separa a calçada das avenidas, passaram depredar o que viram pela frente e atacar o aparato policial.

 

Foto: Marcio Fernandes

 

Instituições bancárias, lojas de grife, estabelecimentos de bandeira americana e prédios públicos foram alvos dos baderneiros antissistema. 74 pessoas ficaram feridas, 43 delas agentes da segurança pública, e 142 excomungados foram presos. Foi uma batalha de rua violenta que seguiu madrugada adentro. As forças policiais da Espanha, treinadas para enfrentar o terrorismo e as manifestações descomedidas, não pouparam esforços para reagir aos atos de guerrilha urbana. A tropa de choque partiu para cima do pessoal com apoio de cavalaria, motociclistas e veículos blindados em uma ação antidistúrbio pronta e contundente.

 

A Espanha por quase 60 anos sofreu com os atentados terroristas da organização separatista basca ETA e recentemente da Al-Qaeda, em 2004.Em decorrência dos fatos, desenvolveu uma doutrina de segurança pública e de defesa orientada para empreender atividades de proteção do Estado e da sociedade com o rigor que a democracia exige. Em outras palavras, por lá o cassetete não é objeto de enfeite na cintura do policial e nem há performance equestre dos agentes policiais em confraternização com baderneiros. A borracha corre com virulência no lombo do pessoal desqualificado. E não venham falar que tratam-se de ações racistas dirigidas a negros e marroquinos, pois a maioria ibérica de raiz experimenta no dorso o impacto do equipamento policial.

 

Foto: Marcio Fernandes

 

No Brasil, desde a Nova República, em 1985, criou-se um entendimento leniente, sedimentado nos Anos FHC e Lula, de que o aparato repressor do Estado era algo antidemocrático, pois remetia ao período militar. Não podia ser empregado em manifestações sociais, ainda que resultassem em quebra dos direitos da propriedade privada e da integridade do patrimônio público. Nem combater os outros tipos de criminalidade em nome dos direitos humanos. A sensação de impunidade foi motivação capital dos maloqueiros verde-amarelos que patrocinaram o megabadernaço do último 8 de janeiro em Brasília.

 

Foram cometidas atrocidades que a direita brasileira vai demorar muito a recuperar a credibilidade. Da cena escatológica ao policial sendo espancado por sujeitos da pior desqualificação social possível, o 8 de Janeiro roubou, pelo menos temporariamente, a legitimidade dos que se insurgem ao rompimento da ordem democrática decretada pelo Poder Central e pela alta corte do Judiciário brasileiro. Por outro lado, o Brasil tem quadros para estruturar uma direita de alto nível e projetar oposição inteligente ao Lula. Inclusive para exigir o rigor repressivo do Estado quando bucaneiros antissistema, comissionados nas repartições públicas do PT, promoverem a baderna. Quem dá afago é pai e mãe.

 

Marcio Fernandes é jornalista

 

Foto de abertura: Dani Pozo /AFP

 

 

 

Este post foi escrito por: Marcio Fernandes

As opiniões emitidas nos textos dos colaboradores não refletem necessariamente, a opinião da revista eletrônica.

2 comentários em "Baderna não pode ser objeto do afago"

  • Márcia Pinchemel disse:

    Como sempre arrasa no texto👏👏👏👏👏👏

  • Krempel disse:

    Verdade verdadeira, Márcio Fernandes onde sempre esteve ,na trincheira democrática a metralhar tic tacs, feito projéteis jornalísticos do seu pensar histórico, de hoje, de ontem e do amanhã, contra esta turba,vândalo-messiânica e que nem sabem onde querer chegar…

Deixe uma resposta