sexta-feira, 22 de novembro de 2024

O que você quer ser quando envelhecer?

 

Nada é mais democrático do que envelhecer. E, embora haja lugar para todos os que estiverem vivos nesse estágio, cada um vai chegar lá de um jeito. Não há regras ou teorias. Mas, com certeza, você deve colher o que plantou. Se a semeadura foi em terreno fértil e houve primoroso cuidado com as escolhas que fez, o estilo de vida que levou e atitudes que programou para si mesmo, parabéns! Vai assistir ao final de camarote. Se não, vai ser a hora de pagar, com juros e mais índices de correção. Dessa conta, afinal, não tem como fugir.

Então, a pergunta de um milhão de bitcoins é: O que você quer ser quando envelhecer? A arquiteta, paisagista e empresária Isabel Coelho quer pequenos grandes luxos, como tempo para fazer as atividades que gosta com calma e contemplação; quer ter aprofundados os ciclos da vida física e espiritual; dedicação exclusiva ao que lhe dá prazer, além de saúde física e mental. E mais um pouquinho: total autoconhecimento e conexão com a sua essência, além, é claro, de lucidez.

 

 

Ligado na tomada quando se trata de exercer suas atividades de chef de cozinha, André Barros quer se tornar uma pessoa mais espirituosa (tem espaço pra mais?), bem-humorada e com doses exageradas de fé na vida. André, felizmente, vai na contramão de pesquisas recentes, que ouviram brasileiros na casa dos 55 anos –maioria associa a velhice apenas a circunstâncias negativas, como a incapacidade e as doenças.

 

 

Pioneira dos agitos da noite LGBTQIA+, Regina Perri, eterna primeira-dama da Jump, quer ser saudável e cultivar a alegria de estar com amigos, de preferência tomando um drinque à beira-mar e escrevendo um livro sobre sua vida cheia de aventuras risíveis. Ela acredita que saber lidar bem com essa realidade vai fazer toda a diferença.

Como bom professor de filosofia, Denis Borges Diniz diz que “Quando envelhecer quer ser velho. Naquilo que o velho tem em comum com a criança: ambos são subversivos da ordem. A criança porque não assimilou deveres; o velho porque tem a morte por companheira. Para ambos, a vida aparece de graça”.

Design de jóias que já se prepara para quando chegar lá com atividades físicas diversas, Sheila Rondon aposta também em noites bem dormidas para apurar a concentração, o foco, redução do estresse e ansiedade. Ela faz direitinho a lição de casa: investe em alimentação saudável para manter o peso, melhorar o humor, a energia e as funções cognitivas. Valoriza a vida social para equilibrar saúde física e mental.

 

 

No auge dos seus bem-vividos 77 anos, Léia Carvalho não se sente velha. “Nunca fiz nada que não quis ou que pudesse me arrepender depois”, ratifica ela, que mora e viaja só até hoje. Jornalista e editora, diz que suas atitudes muitas vezes agridem pessoas que esperam concordância com tudo. “Daí sou taxada de chata. Converso de igual para igual com meus filhos, netos e bisnetos e meus amigos muito especiais”.

 

Como chegar lá bem, física e mentalmente?

Com a palavra, a médica Elisa Franco, geriatra.

“É importante lembrar que, segundo a Organização Mundial de Saúde, o envelhecimento saudável é “o processo de desenvolver e manter a capacidade funcional de tal forma que permita o bem-estar do indivíduo nessa fase da vida”. Estamos na década do envelhecimento saudável (segundo a OMS de 2021 a 2030), que infelizmente teve início com uma pandemia que afetou muito e de todas as formas a população idosa e que, inexoravelmente, ao final, terá diminuído um pouco a expectativa média de vida, mas não o bastante para influenciar no envelhecimento populacional brasileiro, que é um dos mais rápidos do planeta.”

 

As determinantes

Capacidade funcional – É capacidade de atender às necessidades básicas para garantir um padrão de vida adequado: dieta adequada, roupas, moradia e serviços de saúde e cuidados de longo prazo, incluindo medicamentos.

De aprendizado – Capacidade de aprender, crescer e tomar decisões para fortalecer a autonomia, dignidade, integridade, liberdade e independência da pessoa.

De mobilidade – Para completar tarefas diárias e participar de atividades.

De construir e manter relacionamentos – Com filhos e familiares, parceiros, vizinhos.

De contribuir – Ajudar amigos, orientar jovens, cuidar de familiares, voluntariado, atividades culturais e trabalho.

Capacidade intrínseca – Combinação de atividades físicas e mentais – incluindo psicossociais – e funcionais: locomoção, vitalidade (energia e equilíbrio), mental, psicológico e sensorial (visão e audição).  E o que pode ser feito para garantir o envelhecimento com boa capacidade intrínseca?

Dieta saudável, rica em verduras frutas, proteínas, produtos que forneçam cálcio, de forma equilibrada. Ingerir líquidos e fibras.

Exercícios físicos, pois existe um provérbio chinês que diz que quem não encontra tempo para o exercício, encontrará para a doença.

Atividade mental. Educar-se sempre.

Socializar-se, participar, conviver, colaborar, ajudar e permitir-se ser ajudado pela comunidade.

Corrigir deficiências visual e auditiva.

Tratar adequadamente doenças crônicas.

Combater os vícios (álcool, drogas, fumo).

Evitar acidentes, traumas e quedas.

Contribuir para um ambiente saudável e combater a poluição

Tomar as vacinas indicadas para cada idade.

Cuidado com medicamentos, sempre avaliar a necessidade com o médico, não se automedicar.

Espiritualidade e resiliência.

 

“Ambientes favoráveis aos idosos, que otimizem a capacidade funcional, é outra chave para o envelhecimento saudável”

 

Teimosos e ranzinzas?

 

Há muitos estereótipos e preconceitos em relação à velhice, tais como o de que os idosos são poliqueixosos, pessimistas, teimosos, ranzinzas e pouco comunicativos. Na verdade, esses comportamentos são consequência de uma doença de base, orgânica ou psíquica, e não do processo de envelhecimento. Os idosos de hoje nasceram em meados do século XX. Os valores em que eles foram educados são muito diferentes. No Brasil não havia TV, as mulheres não votavam e não trabalhavam fora de casa; as leis trabalhistas estavam começando a surgir, não havia um instituto para aposentadoria, apenas uma lei que começava a entrar em vigor; o divórcio era proibido, não havia anticoncepção, computador, celular; tampouco internet, redes sociais, etc.

As mudanças sociais e tecnológicas aconteceram com tanta rapidez que muitos idosos estão tendo dificuldades para se adaptar. É preciso pensar nisso antes de chamá-los de reacionários, retrógrados e tentar mudá-los. Devemos respeitar as opiniões dos seus pacientes, por mais que sejam contrárias às nossas. Quando o objetivo for a saúde do idoso, é preciso respeitar seus valores e vontades. Quando o problema for doença, como as demências, existem formas de abordagem adequadas para os distúrbios comportamentais.

Entretanto, se incorporarmos os pilares do envelhecimento saudável que tem como objetivo manter a capacidade funcional para o bem-estar na velhice e que isso não depende só das pessoas que envelhecem, mas de toda sociedade e de ajustes no ambiente, todos envelheceremos melhor. A sociedade é que precisa entender que o envelhecimento populacional é a grande conquista do século XX e traz desafios para o século XXI que só ela, em seu conjunto, pode enfrentar e se ajustar a esses desafios. (Elisa Franco)

 

Fotos: Isabel Coelho – Rimene Amaral

André Barros – Enio Tavares

Regina Perri – acervo pessoal

Léia Carvalho – acervo pessoal

Sobre o envelhecimento: textos Dra. Elisa Franco

Este post foi escrito por: Britz Lopes

As opiniões emitidas nos textos dos colaboradores não refletem necessariamente, a opinião da revista eletrônica.

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