quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Dek: alquimista das cores; contorcionista de formas

 

Existe talento para tudo! Até para a absoluta falta dele. E há o talento único, específico, forjado no estudo e no experimento. O dono desse último tipo de dom – combinado com muito trabalho, claro – é o artista plástico Allan Kardek Cardoso Teixeira, ou simplesmente Dek. Ficou conhecido pela sua habilidade de produzir cores inéditas que dão vida às suas obras que contam histórias a partir de delicados traços e perspectiva impressionante.

 

Bybritznews foi encontrá-lo, junto com Divina Lúcia — sua representante nos Estados Unidos desde a década de 1990, e dona da galeria virtual @divina.gallery –, em seu ateliê instalado no primeiro andar do casarão da família, no centro de Guapó, interior de Goiás, Brasil, onde nasceu.

 

 

O refúgio do artista é como deve ser um ateliê: centenas de tubos de tinta, paletas, aventais manchados, pincéis; mas reserva pistas da disciplina de Dek. Em cômodo apenso, um espaço climatizado para guardar as obras, todas devidamente embaladas e catalogadas em seu computador. Dos desenhos-matrizes, como tudo começa, ao trabalho finalizado com temas diversos que lhe vêm à mente; cada detalhe do trabalho de Dek tem DNA para ser rastreado, se preciso for.

 

Parte da inspiração para uma produção multicolorida, detalhada e vigorosa, deve entrar pela janela, emoldurada pelas serras – já verdes com o período chuvoso – que circundam a pequena e pacata Guapó, de onde ele se projetou para o mundo.

 

Bybritznews – O que o seu trabalho quer dizer para o apreciador?

Dek Minha obra é positivista, já que tem uma certa dose de ousadia, cores arrojadas e é muito contemporânea, atual. Minha obra traduz bem o meu tempo.

 

Bybritznews – Você se alimentou em alguma fonte?

DekNão. Sempre fui um curioso e estudioso. Conheço toda a história da arte. Comecei a ler e decifrar os movimentos com 15 anos e sempre com a preocupação de entender o que havia no mundo. Isso para perceber o que eu iria fazer nessa área, pois sabia que não poderia reinventar a roda.

 

Bybritznews – Mas seu estilo acabou virando um carimbo, marca registrada do Dek, não é verdade?

DekSim, é meu carimbo. Um estilo bem pessoal, como todos os críticos observaram. Isso porque foi uma técnica que eu mesmo desenvolvi por gostar demais da espontaneidade e liberdade do desenho. Então eu fui procurar canetas com as quais eu pudesse desenhar em cima da tela. Hoje, com a computação, a gente consegue desenhar e fazer uma cópia que fica parecendo pintura, mas fazer uma obra física, com os meios tradicionais, muito pessoal e com riqueza de detalhes, é um estilo bem próprio.

 

 

Bybritznews – Foi o estilo que projetou o Dek de Guapó para o mundo?

DekFoi, mas no início foi muito trabalhoso. Quando comecei a divulgar o meu trabalho, através de fotos, para as galerias, eu recebia um retorno de grande parte dos galeristas perguntando se o meu trabalho era digital; mas era óleo ou acrílico sobre tela, bem convencional. E eu pensei: estou fazendo um trabalho interessante, com técnica bem pessoal, mas isso está me prejudicando. Era o preconceito com o digital, que não era o caso. Achavam isso por causa da precisão dos traços e aplicação de cores. Houve uma tradutora que teve de vir ao ateliê para se certificar e fazer uma tradução para mim. Então, fui até barrado no início da minha carreira. Depois eu superei e consegui me impor.

 

Bybritznews – Como entra a arquitetura na sua obra?

DekAcho que foi pela ousadia. O arquiteto tem de ser ousado, mas eu já pintava muito antes de entrar na escola de arquitetura. Tanto que eu passei para arquitetura e no ano seguinte passei para belas artes na UFG – que depois eu desisti porque vi que não era o que eu queria fazer – retratos de modelos vivos etc. Aquilo tudo eu já tinha feito. O convencional eu já sabia. Acabei sendo um autodidata, pois já vinha desenvolvendo meu trabalho.

 

Bybritznews – Todo artista contemporâneo faz obras de protesto. Você também?

DekTenho sim. Tenho montagens. Agora mesmo tenho uma obra que se chama “Auxílio gravata”, que nem precisa explicar. Então eu tenho obras montadas que são de protesto. Mas o interessante é o seguinte: a brincadeira não constrói uma obra. Isso quem me disse foi um crítico italiano muito importante. Ele disse que esse tipo de arte era só para mostrar o potencial da minha criatividade, mas o carro-chefe é mesmo o desenho.

 

 

“A manipulação habilidosa da perspectiva pelo artista atrai o observador para o ambiente urbano agitado, enquanto as cores brilhantes e contrastantes fazem a cena parecer viva e cheia de energia”

(Lou-Ann Albiol-Ducos, galeria Almine Rech)

 

 Bybritznews – Há artistas contemporâneos que não sabem desenhar?

Dek A maioria não sabe. Mas, pior do que não saber desenhar é não saber usar cores. Cor é química. Eu crio as minhas próprias cores. Certa vez, no meu ateliê de Goiânia, fui visitado por uma artista alemã que ficou encantada com as minhas cores e eu tive de dar uma aula para ela, modéstia à parte! Eu só trabalho com os melhores pigmentos, de grandes marcas, que te oferecem as tendências. Daí você cria a sua tonalidade. É preciso entender as sutilezas para fazer a alquimia e promover a luminosidade que a tela vai entregar. Se a gente mistura os contrários, a obra acinzenta, perde a vibração.

 

Bybritznews – Como a sua arte hoje é posicionada no mercado internacional?

Dek Eu estou sempre abrindo espaços, crescendo. Mas há obras minhas espalhadas pelo mundo: Rússia, Estados Unidos, Itália, Japão, Alemanha… mas é um mercado difícil. É como nadar num oceano sem fim. Mas há uma vantagem: o mercado é ávido por obras boas, autorais.

 

Bybritznews – Mas você consegue colocar sua obra lá fora…

DekSim, tanto que estou em contatos avançados com galerias muito boas.

 

Bybritznews – A arte te trouxe aonde você queria chegar?

DekA minha grande paixão pela arte era criar um estilo próprio. Sempre sonhei com isso. E eu criei. Então sim, concretizei o meu sonho. Mas é muito difícil se destacar, ser notado. Tem de ter uma marca para alcançar visibilidade. Ou você será mais um da massa cinzenta. Eu trabalho para fazer algo cada vez mais pessoal e mais rico em cores e detalhes.

 

 

“Cores e linhas fortes e vivas de contraste e arquitetura orgânica. A técnica desperta a atenção e aguça o olhar do espectador para a obra de are. A textura vem em vários padrões na superfície de cada ora de arte do artista”

(Benjamin Eck, galeria Benjamin Eck)  

 

Bybritznews – Você já parou para contar quantas cores e suas variantes você usa em uma só obra?

DekAh…nem sei, mas o importante é entender de cor e fazer os truques. Vai depender do fundo da tela e de muitos outros fatores. A cor do entorno é o que determina a cor do desenho.

 

Bybritznews – E qual é a cor da sua energia?

Dek Amarelo. Não tem jeito. Há uma riqueza imensa de amarelos nos meus trabalhos. É quase impossível pintar sem o amarelo.

 

Bybritznews – Como você aprendeu a lidar com as cores e suas variantes?

Dek Aprendi com os pintores espanhóis. Nos livros, em bibliotecas, estudando sempre em livros de teorias e técnicas. Era o lance dos grandes mestres, que conheciam bem as tintas e as tendências. Hoje a gente conversa com os estudantes de arte e eles não sabem nada disso.

 

Bybritznews – Em que você está trabalhando atualmente?

DekEstou trabalhando numa série de painéis grandes sobre brasilidade, que está me dando muita liberdade. São obras grandes que valorizam as minhas formas e cores. Acho que sou um prolixo das formas.   

 

Fotos: Britz Lopes e Divina Lúcia

Este post foi escrito por: Britz Lopes

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4 comentários em "Dek: alquimista das cores; contorcionista de formas"

  • Wesley Guimaraes disse:

    Sou, Wesley Guimarães e tenho o Dek como ídolo desde pequeno. Primo dos meus primos que considero primo. Quando tinha confecção lançamos uma coleção inteira de roupas estampando sua arte. Quando escolhi fazer arquitetura ele era minha primeira referência. Hoje, sou Oficial Substituto do Cartório Dona Belica e temos uma Galeria de Arte dele na nossa sede. Aguardo novas parcerias ao longo de nossas vidas. Coisa de FÃ mesmo.

  • gumercindo soares disse:

    Muito orgulho de ser contemporâneo do Deck… Colega de turma…arquitetura …ele sempre estava um passo a frente…inclusive tenho uma obra dele já mais de 30 anos …parabéns meu amigo…

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