A assombração da madrugada e minha vizinha binária
Marcio Fernandes – Eu e Flávia deixamos a casa da Nancy em direção do Beco do Sapo meia noite e 48 minutos depois de cinco partidas disputadas de mexe-mexe! Foram duas vitórias de Flávia e da instruída jogadora, proprietária de piscina ainda não inaugurada. Mérito total! Eu ganhei uma partida, depois de ter sido advertido pela solidária Lorena de que estava comendo bola!
Foi só baixar uma sequência de A,2,3, já disponível na mão anterior, para ser aberto o desfile da consagração de Charles de Gualle na libertação de Paris! Neste momento, é importante despertar a torcida para desestabilizar o psicológico da mesa! Despachei mais duas cartas em momento ágil e definitivo da jogada! É muito difícil bater com cinco cartas! A véspera do sucesso deste jogo é você ter uma carta na mão! Bati praticamente sozinho em verdadeiro Instituto Butantã do carteado em Pirenópolis!
Eu e Flávia estávamos desenvolvendo um assunto absolutamente não relacionado a coisas do além quando iniciamos o procedimento de descida da Rua Pireneus. O frio não era cortante como da quinta-feira, mas estava frio! Uma sensação térmica fácil de 14 graus! As minhas canelas secas não precisam de termômetro para aferir a temperatura do ambiente!
Tudo transcorria bem, passamos o hospital, ninguém precisava de socorro médico naquele momento! Era para ser só alegria na noite! Escovar os dentes e recolher cada um pra seu canto! Foi quando Flávia se deu conta da presença de algo que poderia ser a morte do Sétimo Selo, só que em outros trajes! Possivelmente uma mulher!
Tomei susto expressivo, pois havia passado batido! Flávia me chamou a atenção de uma figura sentada, provavelmente em formato humano, coberta de vasto manto semelhante a uma burca, absolutamente imóvel, mas cheia de tenebrosas vibrações subliminares!
Imaginei na hora que pudesse ser a senhora estranha que a gente havia encontrado no local onde está o marco arqueológico da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. É importante deixar claro que a Maria Tereza não estava conosco! Ela ficou em casa fazendo cara de fitoterápico para renite!
A verdade é que só havia uma certeza no café da manhã do sábado! A certeza era a dúvida! Não houve nenhuma conclusão satisfatória sobre a natureza daquela figura que Dona Carlota chamaria de assombração! Não sabemos ainda se foi encontro com o sobrenatural ou simples presença humana imersa na bruma fria! Não há garantia de positividade de que se tratava de gente viva ou do personagem da morte de Bergman!
O verdadeiro lobisomem apareceu de fato e direito para Elyse, mochileira francesa que gira o mundo há dez anos sem muito destino e que entrou em quase 275 ml de até então desconhecido Licor Fino de Milho Verde! O produto indica 15% de teor alcoólico! Dr. Elias, pela provada que eu dei naquela coisa com coloração de suco biliar havia um algo mais! Havia algum derivado grande de cana de açúcar adicionado ao produto!
Elyse é uma menina passada de doce e muito inteligente! Fala fluentemente quatro idiomas e talvez tenha cometido o pior erro da aventura ao banhar regiamente quatro pedaços de bolo de chocolate com o licor de milho. Ela ainda comeu sobra da tilápia do almoço, um quibe, uma esfirra, barra de chocolate, banana e maçã! A medida em que fazia daquele veneno a calda do bolo, Elyse dava explicações sobre a deliciosa combinação. Mal sabia que estava indo ao encontro de todas as assombrações que habitam o abismo da indigestão!
Tenho uma vizinha de duas fases! É fácil identificar como está a situação da moça binária! Quando ela está na fase da repartição hormonal com o sexo oposto, escuta sequência de um tipo de funk do DJ! É só ter problema de procedimento para rolar confusão com o pai! Aí, ela entra na fase da contenção evangélica e passa o dia ouvindo música gospel! Caraca!
Você acha que Pirenópolis é só música lounge baixinha? Não é verdade! A música ao vivo que vem da pousada do outro lado do Rio das Almas é meu sacrifício do sábado! É música de madrugada, quando você quer dormir e não pode, pois tem de ouvir a previsível voz e violão! Na parte internacional do concerto, rola La Bamba e I Wish You Here! Já no setor nacional, sempre tem Zé Ramalho e Djavan!
Toda vez em que eu penso no fracasso do Brasil me lembro do Zé Ramalho! Já Ivan Lins traz aquela sensação de que ditadura não acabou! Só tristeza! Na época da ditadura em Goiânia fazia frio em julho! Ainda sinto o cheiro do pijama de flanela e do comercial da Casas Pernambucanas na TV preto e branco! Espetáculo! O terceiro-mundo precisa entender que o frio é essencial ao processo civilizatório!
Positivamente, em Pirenópolis faz frio! Em julho, para ser considerado agasalhado na noite do cerrado de altitude, você tem de ter um casaco bom! Eu tenho, mas ficou em Goiânia! Passei frio, esta é a verdade, mas sou 100% a favor da glaciação! Espero que a Flávia venha mais vezes para a gente desvendar o mistério da assombração!
Tudo acabou no domingo! Como você é gentil Juan! Obrigado demais da conta pelo sorvete de goiaba e tuas fotografias preciosas!
Na despedida em casa, eu e Elyse tomamos bule de chá de hortelã, chocolate de castanha e um choro bem europeu! Sem lágrimas, só de olhos vermelhos ouvindo Mother na preciosa interpretação amargurada do Roger Waters durante a pandemia! A música está no youtube.com! Da Elyse, ninguém sabe! De mim? Estou indo para Florianópolis partilhar minha vida boa com o Daniel!
Texto e fotos Marcio Fernandes!
“Não adianta bater,
Que eu não deixo você entrar…
As Casas Pernambucanas é que vão aquecer o meu lar…”
Acho que era assim
Boa memória, boas lembranças…
Isso é coisa de Melo.
Impossível não se lembrar do comercial da Pernambucanas. Já que vc sempre esquece algo, como de levar o casaco para Piri, por favor coloque o na mala para Floripa. Adoro história de assombração. Parabéns!
KKKK vai ver que não deu certo…. a ida a Floripa