segunda-feira, 16 de setembro de 2024

A Inês é morta

Colagem digital: João Colagem  —  Plagiando o grande mestre Ricardo Ramos, mentor estratégico e criativo de tanta gente nos anos 70 e 80. Ele nunca disse isso, mas não seria improvável que dissesse. E quem garante que eu não psicografei?

Você entra numa festa, ninguém te nota.

Você vê aquela moça linda, assediada por todos. É ela: Inês.

Inês, a mulher da sua vida, também não te nota.

Você cria mecanismos para ser percebido por todos, principalmente pela moça linda da sua vida, a Inês.

Você decide estrategicamente usar o charme, o encantamento para provocar um impacto sensível como diferencial competitivo.

Você se senta ao piano como quem não quer nada, ensaia tola e vagamente aqueles acordes românticos que todo mundo conhece.

A Inês também conhece esses acordes e presta atenção em você.

Você está usando TV e rádio, para se destacar e sensibilizar todo mundo na festa. Você impacta a festa inteira, aposta no seu talento e seus recursos, porque você tem na mira o seu alvo específico: a Inês. Vale a pena.

Você consegue ser notado graças ao seu apelo sensível, encantador – inclusive com acting, jogo de cena e direito a trilha sonora.

Sem isso, você teria que gastar uma grana com roupas e efeitos especiais, mais especiais do que você mesmo. E teria que entrar e sair várias vezes da festa, até alguém prestar atenção em você, notar que você existe.

Se Inês te notasse por isso, por todo esse entra e sai apenas formal e quantitativo, ela não te daria valor. Ela iria te achar um chato insistente, apenas bem vestido e olhe lá.

Isso é custo de produção, artificial, que não pertence a você porque todo mundo pode comprar igual.

Isso também é custo com alta frequência de mídia, pagando caro para compensar sua carência de atração, sua falta de charme, sua pobreza de ideia.

Ok, você consegue ser notado pela moça linda, a Inês.

Ela se aproxima do piano e de você. Sorri.

Para envolvê-la de vez, você não fala seu nome de família completo, sua idade, RG e CPF, quanto pesa e quanto mede, tipo sanguíneo, seu endereço e CEP, seu signo, o que você faz na vida em detalhes, seus gostos, manias e preferências pessoais.

Você está adotando a estratégia da sedução emocional pela TV e pelo rádio, lembra? Continue sendo sensível, encantador.

Você leva Inês até o seu apartamento.

Enquanto você prepara uma bebida, Inês ativa a razão: analisa o lugar, avalia o ambiente e o astral, decifra a decoração, as fotos, os bilhetes e recados na porta da geladeira, interpreta um ou outro diploma pendurado na parede do seu escritório.

Inês busca se informar sobre você, sua vida. Quem é você? O que você tem para oferecer?

Fatos: Inês quer fatos concretos, não mais a lenga-lenga sedutora.

Você fala do livro que está escrevendo, tenta mostrar as páginas do original, lê um trecho mais sedutor, insiste em caprichar no charme.

Mas agora Inês está interessada mesmo é em fatos, ela quer saber mais. Inês seleciona páginas do seu livro com precisão cirúrgica, investiga trechos reveladores, verifica até onde vai a sua verdade.

Você tem que responder às questões da Inês e comprovar tudo o que ela quer saber, porque essa é hora de demonstrar de fato, não apenas informar.

Você e Inês estão usando agora a mídia impressa para provar, o preto no branco, as promessas feitas até então apenas pelo lindo discurso da primeira impressão cativante.

Você vai pra cozinha preparar uns queijinhos, patês e guloseimas e abrir mais um vinho antes do prato principal, que é a Inês.

Sorrateiramente, Inês entra no seu computador, coloca seu nome no Google e vai fundo sobre quem é você, o que você tem feito e o que os outros falam de você.

Ninfomaníaca por informação, Inês acessa as redes sociais, te laça no Facebook, no Instagram no Linked-In, descobre quem você segue e por quem é seguido no Twitter. Devassa sua privacidade.

Você se distrai com essa lida de RP e catering, preocupado com o buffet do evento, enquanto a Inês se utiliza da mídia digital e redes sociais para expandir o conhecimento sobre você, aprofundar-se sobre suas verdadeiras intenções.

A Inês não sabe a senha do seu computador?

No problem, Inês aciona o celular, acessa as mesmas ferramentas virtuais e fuça sua vida de cabo a rabo, sabe-se lá mais interessada se no seu cabo ou se no seu rabo.

Inês aproveita seu vacilo e faz uma convergência tecnológica com tudo que está aprendendo sobre você, consolida numa plataforma só as informações captadas na sedução da festa, nos detalhes do seu livro, na expansão do mundo virtual e das redes sociais.

Agora Inês está pronta para tomar uma decisão sobre o futuro.

Ela decide que vocês dois se entenderão e seguirão adiante, juntos para sempre. O “sempre” é aquela noite e talvez algumas outras mais.

Como esse encontro de almas gêmeas é possível?

Graças ao milagre da comunicação.

Graças à compreensão do papel que cada meio de comunicação tem, em seu determinado momento, para cada objetivo específico.

Sempre seguindo um conceito estratégico central, uma ideia, respeitando as características dos meios, o sagrado estado de espírito do consumidor diante de cada meio, sua mensagem própria e a linguagem mais adequada a cada um deles.

Agora, Inês é morta. E você também.

 

Percival Caropreso é graduado em Comunicação Social pela Anhembi-Morumbi e atua nas áreas de Marketing e Comunicação, Estratégia, Posicionamento, Identidade, Imagem & Reputação, Construção de Visão, Missão, Valores & Princípios, Cultura Interna

 

Ilustração: João Colagem

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Este post foi escrito por: Percival Caropreso

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