sábado, 7 de setembro de 2024

A religião inventou o marketing

 

Alex Periscinoto, um dos grandes nomes da publicidade brasileira, foi convidado, em 1977, a fazer uma palestra para a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Ele publicou um resumo dessa palestra no seu livro “Mais vale o que se aprende que o que te ensinam”, sob o título A palestra dos bispos. Como um dos maiores profissionais da comunicação do Brasil, ele diz que todas as ferramentas conhecidas da comunicação, todas, sem tirar nenhuma, foram inventadas pelos religiosos.

 

Citando as ferramentas, ele diz que o primeiro veículo de comunicação de massa foi o sino. Cada batida transmitia uma mensagem. Atingia 80 a 90% das pequenas cidades. Quando tocava, todos pensavam sobre sua mensagem. Um arauto, disse Periscinoto, não passava de um megafone sem pilha, muito mixuruca.

 

Outra ferramenta era o display. O display visa chamar a atenção para uma mensagem ou um produto. O primeiro display inventado foi a torre da igreja, com seu telhado alto e a torre, que chamavam a atenção no meio da cidade. De longe se via onde estava a igreja.

 

Além do display, a igreja inventou o primeiro logotipo, a cruz. Ela era posta na ponta do display. Todos sabiam que era a igreja da marca da cruz e não da meia-lua ou da estrela. Não se perdiam em meio à concorrência.

 

Os religiosos também inventaram o primeiro departamento de pesquisa, o confessionário. Municiado com as informações do confessionário, o padre sabia tudo o que se passava na aldeia e, no sermão de domingo, falava exatamente o que a comunidade queria escutar. Ele era a pessoa mais influente da comunidade. Um subproduto do confessionário era que a pessoa era reconstruída de dentro para fora e saía aliviada, perdoada, coisa que nenhum analista faz, nem que se seja pago em dobro. Era um tratamento psicológico gratuito. Hoje, esse departamento de pesquisa está um tanto desativado. Em consequência, a igreja não sabe o que se passa, por exemplo, na cabeça de um rapaz de 20 anos.

 

Outra invenção dos religiosos foi o audiovisual. Alex Periscinoto se refere às vias sacras, tão comuns em igrejas católicas. O áudio seria dado pela professora de catecismo ou alguém do gênero.

 

Outro recurso inventado pela ireja foi a trilha sonora. Não há comercial sem trilha sonora. Sem ela, o comercial perde a graça. A trilha sonora da igreja é a música do órgão ou do coral. Ninguém consegue imaginar um casamento sem marcha nupcial.

 

O cenário é mais uma invenção da igreja. Como cenário, entenda-se o altar bem decorado, com iluminação adequada e mística própria.

 

As promoções são outra invenção da igreja. Ela fazia procissões com bandeiras, cartazes e roupas especiais, que mobilizavam uma cidade inteira. A promoção religiosa era anunciada com antecedência e alcançava toda uma população.

 

Periscinoto também falou que, na área mística, a mudança do latim para o português e a posição do padre de frente para a igreja, não tiveram um resultado tão especial. Ele disse que o povo, ao ver o padre de costas para o povo e de frente para o altar, tinha a impressão de que o sacerdote estava de frente para Deus. Além disso, mesmo sem entender latim, o povo pensava que esta era a língua especial que o sacerdote e Deus entendiam. Isso tinha a sua mística.

 

A Igreja tem um produto a oferecer. É a fé. E Alex Periscinoto comentou:

 

“Eu tenho uma boa notícia para vocês: esse produto está fazendo falta na praça, e muita falta, mesmo porque vocês não propagam mais a fé. Hoje se lê nos jornais muito mais sobre divergência entre bispos, entre vocês e o governo. Quase não se lê sobre o produto que vocês oferecem, sobre a fé. (…) É como se uma empresa parasse de anunciar seus produtos e passasse a anunciar a briga da diretoria.”

 

Como um dos ícones da publicidade, Periscinoto terminou sua palestra chamando a atenção para a necessidade de a igreja investir na mídia. Ele disse que o display da igreja se perdeu no meio da selva de pedra e não é mais visto. Os meios de comunicação penetram em todos os segmentos da sociedade. É lá que a Igreja deveria anunciar o seu produto, a fé.

 

O público da igreja pode ser dividido em três segmentos. Os doentes, os velhos e as crianças, jovens e adultos sadios, no auge da vida. Os dois primeiros segmentos são presas mais ou menos fáceis de serem atingidas. O terceiro grupo é mais ou menos 80% do total. Com este terceiro grupo, a igreja não sabe quando falar, como falar e onde falar. A mídia seria o lugar de estar em contato com eles.

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Este post foi escrito por: Marco Antônio Chuahy

As opiniões emitidas nos textos dos colaboradores não refletem necessariamente, a opinião da revista eletrônica.

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