quinta-feira, 21 de novembro de 2024

A revolta de Sinhá

 

São Sebastião do Rio de Janeiro, abril de 1892.

 

Senhora Editora,

 

Quão grande é o prazer de traçar-vos essas linhas, desejando que tais vos encontre bem de saúde e animada com esta tão pesada jornada que abraçastes…

 

Vês que embora minha combinação convosco fosse escrever para esta prestigiosa revista sobre temas femininos, e aqui e acolá uma ou outra prosa poética, impulsionam-me os fatos e o destino a comentar algo dos seus dias, que vos digo, se não são comédia de dois ou três atos, temo ser tragédia anunciada.

 

Quase uma ode Shakespeariana ao improvável.

 

Por aqui, a República ainda não mostrou a que veio… a Capital perde prestígio para a Província de São Paulo e afastamo-nos a passos largos da Europa, ocasião em que a erudição no trato e nos gostos vai se perdendo sentidamente…

 

Uma bobagem! Sim! Uma bobagem essa história de República.

 

O progresso vem a galope, mas as relações perderam o brilho… deixamos de ser o Brasil Império para ser uma Republiqueta com gosto de café.

 

Uma vergonha conjecturada e desenhada por generais com unhas encravadas e dores reumáticas, e agora sabemos, mesmo depois de mais de século, que impotentes!

 

Sabeis vós o custo de calçar uma bota do Exército com unha encravada?

 

Deve ser o mesmo custo de ter uma espada e a mesma morar na bainha sem gosto algum de ser derribada… vosmecê me entende.

 

Se não se derruba a espada da bainha, derruba-se o Império!

 

Talvez essa tenha sido a lógica, Madame!

 

Mas veja, tal boataria só pode ser um complô contra o Exército brasileiro! Peço que apure tais investidas caluniadoras. Isso há de ser passado a limpo.

 

O que dizeis vós acerca da droga encomendada pelo panteão de nossa armada?

 

E mais: o que dizem as línguas, más e boas acerca de uma certa  bombinha de inflar? Será verdade tal artefato?

 

Custa-me acreditar em tal desatino.

 

Estamos aqui boquiabertos com tamanho disparate.

 

Os monarquistas, vosmecê imagine, estão rindo despudoradamente… ao menos exercem eles as suas obrigações masculinas… quando muito, uma garrafada resolve o problema e as espadas estão sempre prontas ao trabalho mais prazeroso que existe: matar a sede que água não sacia.

 

Mas voltando ao tema, triste fim levou nossa tropa!

 

Avise-os por mim: “o teu passado te condena”

 

Dom Pedro rola na sepultura!

 

Deixo-vos com abraços calorosos de quem ainda não a conhece e provavelmente não há de conhecê-la, mas saiba que aqui tens uma amiga para prosas edificantes e costuras interessantes.

 

Assino somente como

 

Sinhá

 

 

Foto: Cultura/Estadão

Este post foi escrito por: Sinhá

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