domingo, 8 de setembro de 2024

A roubada joga parada

 

Marcio Fernandes  —  Em viagem não é a roubada que te persegue. É você quem faz esforço imenso para encontrá-la. Tempo útil de entretenimento em turismo vale mais do que dinheiro. A roubada é tempo perdido de alto custo, remunerada em dólar ou euro. Roubada dissolve casamento. Funde motor de carro. Cria visita hospitalar. Envolve perda de passaporte. Te faz pegar Trem Noturno Para Lisboa.

Se você for um daqueles que consideram o procedimento das ciganas nas ruas da Europa situação positiva de diversidade, se prepare para roubada de Código Penal. Ela vai subtrair teu celular antes de você terminar a frase da união dos povos oprimidos. Vamos à classificação provisória desta companheira permanente de viagem. Sou grato por tê-la nas longas negociações com vendedores de tapete da Ásia e África.

Roubada Clássica– Aqui estamos a falar dele, o taxista. Operador tradicional da roubada na indústria do turismo. Você está entusiasmado com a chegada. Puxa assunto sem nenhum aproveitamento material. Comenta com a mulher a fluidez do trânsito. Geralmente suspira platitude sobre o nosso Brasil. E o cara ganhando no seu queridismo espontâneo. Na chegada ao hotel fica consumada roubada do taxímetro trabalhado em Bandeira 3. Em Nova York, a roubada do táxi ainda tem gorjeta. Tomei volta grande de taxista em Buenos Aires. O malandro tinha foto do Papa Francisco no painel do carro. Além do movimento em círculo me deu troco em peso falsificado. Socorri finlandesa mochileira aos prantos depois de ter sido limpada por taxista em Marrakech. Os do Santos Dumont se acham imbatíveis, mas têm muito a aprender com os colegas de Istambul.

Cada taxista tem seu jeito funcional de tornar a corrida mais robusta

 

Pacote de roubada – Definitivamente, você não vai conhecer cinco países da Europa em 17 dias. Vai fazer turismo de aeroporto, estrada e hotel. Comer em restaurante mancomunado com a furada. Fazer selfie nos monumentos. Trazer imã de geladeira para os que não puderam participar de extenuante roubada. As rodovias da Europa são sensacionais. Agora, não faz sentindo rodar mais de dois mil quilômetros de ônibus entre algumas capitais.  Guia escolado no embrulho falando em sua cabeça. Missão ingrata de fazer amigos entre os cooperados de entediante experiência internacional. Sem falar do encontro com mesmo pessoal no city tour. E segue a viagem. Ao longe, as belas paisagens europeias vistas da janela do ônibus.

Roubada do fuso horário – Voo barato é classe executiva por menos de mil euros. O resto é cilada que te faz ficar em trânsito por 37 horas em uma situação que poderia ser resolvida em 14 horas. Se o objetivo é passar dias de verão no Algarve, não há motivo para fazer turismo de fuso horário. A viagem se inicia plena de entusiasmo às 10 horas da manhã em Goiânia. Pessoal saliente na área de embarque. Em seguida, seis horas de espera em Guarulhos para pegar voo para Bogotá. Da capital colombiana, rápida conexão para embarque em direção a Londres. Finalmente, depois de 4h45 amuado em Gatwick, você estará na proa de Faro, Portugal. Vai chegar moído. O próprio baixeiro após dois dias sem qualquer tipo de banho. Feliz com passaporte cheio de carimbos. Terminados os dias de praia, o drama de fazer caminho de volta. Não se culpe pela roubada! Aos retornados é razoável, no desembarque, desabafo positivo do “eu amo o meu Brasil.”

 

Roubada preparada – Eu e Britz viajamos pelo Sul da França na primavera de 2016. De trem e ônibus em curta distância. História, vinho, comida boa. Frio confortável e chocolates nas longas caminhadas. Foi ensaio da troca definitiva da mala pela mochila. Nesta viagem ocorreu, até então, nossa mais robusta roubada. Na verdade, ela foi obra de um projeto. Zero improvisação. Naquela onda do assista ao filme, leia o livro e pega o trecho, decidimos que o final da viagem seria no Trem Noturno para Lisboa. Da emocionante viagem do professor Raimund Gregorius, desde Berna, fizemos Madrid à capital portuguesa. Sofrimento mais do que suficiente.

O Trem Noturno Para Lisboa: o do filme, é claro

 

Tomamos banho grande antes do embarque à estação de Chamartin. Cabine exclusiva em trem encardido, desarrumado serviço de quinta que nos surpreendeu. Esperávamos existência de vagão-restaurante. Régio jantar. Douro, Dão ou Alentejo para celebrar realização de sonho literário e cinematográfico. Pelejamos composições adentro até encontrar birosca governada por português mal-humorado em uniforme puído. No cardápio, água, batata de saquinho, café, cerveja quente e vinho zurrapa. Era uma viagem noturna de 12 horas. Chegamos à estação de Santa Apolônia, Lisboa, como se tivéssemos feito viagem terrestre de Araguaína (TO) a Bagé (RS). Não importa a distância, a roubada joga parada. Estará sempre à nossa espera.

 

Marcio Fernandes é jornalista

Foto Lisboa-Paris: Rimene Amaral

Foto Londres, Nova York: Marcio Fernandes

Foto trem para Lisboa: papodecinema.com.br

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Este post foi escrito por: Marcio Fernandes

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