Acho que os cachorros deveriam morder os seus donos

Marcio Fernandes – E nós, goianienses, faríamos um grande serviço se começássemos a latir para os caras que converteram nossa cidade em singular baixeiro. Não sou eleitor local e não tenho preferência por nenhum dos candidatos apresentados. Meu candidato a prefeito seria Nion Albernaz ou Pedro Wilson. Agora, Goiânia superou o encardimento consolidado em pelo menos uma década e se tornou um lixão urbano. No calor do aquecimento global, o chorume, misturado com as fezes dos cachorros, traz o aroma da porcaria ambiental instalada na cidade.

Como pode estar imunda uma cidade que tem padrão elevado dos quatros pilares do conceito de saneamento: abastecimento de água, esgoto, coleta de lixo e drenagem de águas pluviais? De acordo com o Censo de 2022 do IBGE, dos 1,4 milhão de habitantes de Goiânia, 1,59% não tem água tratada; 1,96% não tem acesso a algum tipo de esgoto e igual percentual não tem coleta de lixo, enquanto 0,2% dos domicílios está sujeito à inundação.

Os números estão corretos, exceto na desatualização do sistema de gerenciamento de resíduos sólidos. A cidade conseguiu fazer o mais difícil e oneroso que foi coletar e tratar esgoto. Não se pode dizer que Goiânia retrocedeu na limpeza urbana, pois ela sempre foi limpa. A imundície da cidade é algo inusitado. Como toda obra e serviço vindos da prefeitura são meia-boca, regidos pela improvisação e deliberadamente de baixa eficiência, o lixo é o primeiro a gritar, mesmo porque ele está em todos os lugares.

Há três coisas a serem consideradas. Por conta da roubalheira histórica, a empresa pública encarregada da limpeza de Goiânia, que já teve nível qualificado de prestação de serviço, foi à bancarrota. Há uma mentalidade espírito de porco instalada na gestão municipal, segundo a qual a imundície da cidade não é um problema sanitário. A terceira consideração é o fato de o goianiense ter o hábito de jogar lixo na rua. Já melhorou muito, mas não canso de ver proprietários de carro chinês à bateria atirando lixo da janela do carro porque eles se acham os pagadores de impostos; e o pobre repete o gesto, pois conviver com o lixo é algo normal na vida dele.

Aqui entra o ponto crucial da história. Por que os donos dos cachorros não catam as fezes do animal e escolhem a porta da minha casa para ser o toalete do bicho? Na face norte do lago inferior do Bosque dos Buritis há uma fileira de 70 metros aproximadamente de cocô de cachorro. Parece que os caras combinaram ecologicamente de só poluir em linha. E passeiam felizes com a cachorrada, mais feliz ainda por ter a fresca que vem do lago e muitos patos para correr atrás. Só alegria na vida do cachorro siberiano pondo a língua para fora no calor de Goiânia.

Eu acho lindo a pessoa dizer que o cachorro é vida da dela, um filho ou uma filha, depende. O cara ama o cachorro, mas não quer saber do rejeito produzido pela ração que ele compra na internet para alimentar o bicho. No Bosque dos Buritis, quem mais contamina o ambiente da garça soberana, do martim-pescador, do biguá, da saracura três-potes, dos cágados e dos peixes, não são os cachorros. São os donos deles. Que a cachorrada passe a mordê-los toda vez que eles deixarem cocô de cachorro na mais linda reserva ambiental da cidade.

Marcio Fernandes: texto e fotografias