domingo, 8 de setembro de 2024

¡Bienvenido Mi General!

HISTÓRIAS QUE FICARAM NAS VIAGENS

 

Em 1976 eu fiz primeira viagem ao exterior. Meu pai tinha descolado o Opala 4 portas para as férias de verão em Santa Catarina. Obra de engenharia mecânica perfeita à prosperidade da classe média no Regime Militar. O Milagre Brasileiro na proa de dentista campineiro que estudava geografia, amava “A deusa da minha rua”, na voz do Sílvio Caldas, e saia por longas distâncias de automóvel em janeiro. Viajar para nós era saneamento básico. No segundo dia de trajeto, em plena crise do petróleo, ao chegar a Apucarana (PR), ele desvia a rota e ruma a Sudoeste em direção ao Paraguai.

Ciudad del Este, à época, se chamava Presidente Stroessner. Nome do ditador que governou o país por quase 35 anos. Estava nos primórdios da indústria contrabandista. Alfredo Stroessner era esperado naquele dia. A cidade se cobriu de cartazes lambe-lambe: ¡Bienvenido Mi General! Não acreditei na coincidência de estar lá no mesmo momento do comandante-em-chefe de ditadura amiga. Positivamente considerada maior produtora de maconha da América Latina.

Pátria-mãe da Perla, falsa guarani que seduzia o Brasil com músicas chatíssimas. Meu avô foi preso político em 1964. Ficou 43 dias no 10º BC, unidade o Exército. Grande alfaiate falido pelas escolhas ideológicas próprias e do sistema. Aquilo era absolutamente doloroso. Por outro lado, no Paraguai havia atmosfera lúdica no ambiente de compras e acolhimento binacional.

Fomos até Assunção. Na estrada, fitas K-7 de música qualificada e ele a falar do imperialismo brasileiro na América do Sul. Meu pai acreditava que o Brasil poderia ocupar a Argentina em operação militar rápida do 3º Exército, com apoio aéreo da Base da Anápolis (GO),embora observasse hábito portenho de usar a camisa dentro da calça. A Usina de Itaipu estava em obras, assim como a rodovia que ligava o Brasil à capital paraguaia. Tudo feito por empreiteiras nacionais. Eu não duvidava dele, mas achava estranha a figura do Stroessner ser general vassalo. O cara tinha faixa, uniforme cheio de condecorações, dragonas salientes, nome alemão, cara de mexicano. Já o Geisel era apenas um germânico empertigado de terno e procedimento austeros.

O que ficou de história nesta viagem?  Na década de 1970 comprei no Paraguai calça Lee honesta, americana mesmo. Já tinha camiseta Hang Ten. Estava pronto para entrar no segundo grau com cabelo grande e começar a luta contra a Ditadura Militar. A iniciativa teve pleno êxito, como se sabe. Minha participação efetiva à realização da Nova República foi vandalizar, em atividade coordenada com eminente jurista e ex-senador, placa na Avenida Assis Chateaubriand, em Goiânia (GO), que indicava “Direita Livre.” Naquela noite o general João Baptista de Oliveira Figueiredo começou o mandato de último presidente militar do Brasil e assim o País se encaminhou para construir democracia infeliz.

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Este post foi escrito por: Marcio Fernandes

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