quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Duzentos anos da mãe do que há de melhor nas Constituições

 

Demóstenes Torres — Os últimos 40 anos foram diferentes para o Brasil. Tivemos a passagem pacífica da ditadura para a democracia, com a volta de eleições diretas para presidente da República. Dois chefes de Estado e governo, de raízes ideológicas distintas, foram derrubados por causa de nada e ainda assim se manteve a normalidade. Sediamos a Copa do Mundo de futebol masculino em 2014 (aquela dos 7 a 1) e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016. Paul McCartney veio diversas vezes desde 1990. E a maior das conquistas, a Constituição de 1988, que proporcionou a sobrevivência do país aos demais eventos.

 

Assim são as chamadas cartas magnas, o sustentáculo de uma nação, no caso, a brasileira, congrega centenas de outras, como as indígenas. Quanto às constituições, não podemos praticar nosso esporte predileto, recordista de pódios olímpicos se houvesse a modalidade reclamação. Falar mal do próprio país ou do que ou de quem quiser é um direito que nos assiste. E sabe onde isso está assegurado? Nela, na constituição. Inclusive na 1ª, feita no Império, há exatamente 200 anos.

 

O Supremo Tribunal Federal, guardião desta e das anteriores, sediou o lançamento do livro “No bicentenário da Constituição de 1824” (Livraria Resistência Cultural Editora & Caminhos Romanos), no justo dia em que ela completou dois séculos, 25/3/2024. São 17 autores nacionais e 9 de Portugal. Na obra, a “Constituição Política do Império do Brazil” é lembrada não somente pelo pioneirismo, mas porque

 

“torna-se motivo de surpresa, orgulho e perplexidade que a primeira constituição do Brasil haja se colocado em um tal nível de avanço nesse âmbito [de catálogo de direitos fundamentais], especialmente quando se põe à mesa o problema da escravidão e do voto censitário” (ministro Dias Toffoli e Otavio Luiz Rodrigues Jr.);

 

“todos os dispositivos podiam ser alterados, inclusive o que consagrava a Monarquia como forma de governo” (ministro Marco Aurélio Mello);

 

“moderna para a época, permitiu estabilidade no país, apesar de movimentos locais como, por exemplo, farroupilha, cabanagem e a guerra contra o Paraguai” (Ives Gandra da Silva Martins);

 

“seu entorno foi relevante porque havia a preocupação por temas como a fundamentação das sentenças, até hoje exigida, o respeito à liberdade de expressão, porém, cuidado com os abusos” (ministro Roberto Rosas);

 

“havia a garantia dada a qualquer cidadão de apresentar reclamações, queixas ou petições aos poderes públicos em defesa de direitos e contra abusos de autoridade, incluída a ação popular contra magistrados, ‘por suborno, peita, peculato e concussão’” (Gilberto Callado de Oliveira);

 

“prudente e flexível, foi de grande importância para a consolidação da unidade nacional” (procurador Ronald Bicca);

 

“D. Pedro I teve o cuidado de fazê-la ser formalmente chancelada pelas câmaras municipais de todo o Império– medida que na época teve grande alcance, já que lhe conferia um caráter de legitimidade de origem que, em uma ótica estritamente liberal, afigurava-se como indispensável” (Armando Alexandre dos Santos);

 

“os liberais europeus, à época, se revestiam da forma monárquica pois tinham receio de que o absolutismo pudesse recrudescer” (Francisco Bilac Pinto);

 

“arquitetou a organização política, as liberdades civis e os direitos fundamentais” (Guilherme de Faria Nicastro);

 

“segue proporcionando material para investigação tanto sob o prisma político quanto sob o jurídico” (Márcio P. P. Garcia);

 

“comportava em seu rol de direitos uma vasta e inafastável proteção à autonomia da vontade dos cidadãos” (Gabriel José de Orleans e Bragança, Hugo Yamashita e Marcelo Sacramone);

 

“os ventos modernizantes que sopravam da Europa chegaram com toda força ao Brasil” (Rafael Nogueira Alves Tavares da Silva);

 

“a mais eficaz e com maior vigência, qualificada por Afonso Arinos como, ‘de longe, o mais importante documento de sabedoria política da História do Brasil’” (Ibsen Noronha).

 

Para os portugueses que participaram de “No bicentenário da Constituição de 1824”, com ela “as liberdades expandiram-se. Da liberdade de comunicação de pensamento à liberdade de imprensa. Da liberdade religiosa à liberdade de circulação. Da liberdade de se conservar ou sair do Império à liberdade de trabalho, comércio ou indústria” (Rui Manuel de Figueiredo Marcos);

 

“uma longevidade que oferece avaliação muito positiva” (José Casalta Nabais);

 

“se começa a manifestar a ideia segundo a qual os ordenamentos incluem um conjunto fundamental de princípios e normas que, por razões materiais e/ou formais, vinculam a atuação diuturna dos poderes públicos” (Ana Raquel Moniz);

 

“O Brasil revelou notável estabilidade constitucional durante quase todo o século 19, […] mas nos cem anos seguintes à implantação da República até à atual CRFB teve nada menos do que cinco constituições, refletindo a atribulada história política brasileira, incluindo dois períodos ditatoriais” (Jorge Alves Correia);

 

“é pacífico que a Carta Constitucional portuguesa teve por fonte a Constituição do Império Brasileiro” (António Pedro de Sá Alves Sameiro);

 

“essa opção [desagregar o ‘Reino Unido de Brasil, Angola e Benguela’], que exclui Angola do Império do Brasil, foi expressa em decisão individual do monarca brasileiro” (Eduardo Vera-Cruz Pinto);

 

“nascia um novo tipo de legitimidade de cariz constitucional e tal exigia um novo modelo de Estado e de direito. Os juristas portugueses e brasileiros foram responsáveis por este resultado” (Pedro Barbas Homem);

 

“o pendor liberal justificará que, entre outras coisas, ela não deixasse de debruçar-se sobre uma marca própria de status quo antes perfeitamente incoadunável com o modelo societário que lhe era ínsito” (Diogo Figueiredo Perfeito Dias Ferreira);

 

“para se afirmar e ser reconhecido como Estado independente, o Brasil precisava criar uma série de insígnias que divulgassem a sua nova condição” (Miguel Metelo Seixas).

 

O capítulo de Seixas é sobre a heráldica. Se nos símbolos o país necessitava se firmar, muito mais numa Carta Magna. O artigo que redigi para a homenagem à mãe do que há de melhor nas Constituições e nas leis brasileiras compara o texto de 1988 com o de 1824, o artigo 5º da atual ao 179 da 1ª. A conclusão é que deputados e senadores eleitos para escrever o libelo cidadão da Nova República acertaram na inspiração. Dom Pedro 1º, e mais ainda seu filho Pedro 2º, é um modelo que resiste aos séculos.

 

Foto: Jonas Pereira/Agência Senado

Este post foi escrito por: Demóstenes Torres

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