sábado, 7 de setembro de 2024

Em 1964 eu já era de direita

 

Quando a “redentora” explodiu, em março de 1964, eu já estava morando no Rio de Janeiro há uns 5 anos, com planos frustrados, e trabalhando em uma empresa de direita ligada ao governo americano. O “Ponto 4” era um programa dos americanos após a segunda guerra e tinha por objetivo reagrupar aliados, com ações de boa vontade, convidando jornalistas, estudantes de direito e outras pessoas com possibilidade de falar bem dos americanos, mormente após as bombas de Hiroshima e Nagasaki que acabaram com a guerra, mas fizeram um brutal estrago na imagem dos americanos.

 

Para melhorar a imagem internacional, entre outras ações, tinham um grande carinho pelas publicações como Seleções do Reader’s Digest, por exemplo, por onde passei e, logo depois, fui para a Gempsa Gráfica Editora Mecânica Popular S/A distribuída pela Fernando Chinaglia Distribuidora, que também distribuía a revista Seleções no Brasil e coqueluche da mídia a época.

 

A minha ida para o Rio tinha por objetivo entrar para o Instituto Rio Branco, que na época só existia no Rio de Janeiro e, parafraseando o ministro Joaquim Barbosa, que disse que não havia entrado no Itamarati por ser negro, eu por ser Silva Souza, também não entrei. Afinal Silva Souza não era nome compatível com o Itamarati. Gente, isso é brincadeira! Não entrei porque não tinha preparo, não tinha menor ideia do que era o Instituto Rio Branco, mas gostava do glamour que a diplomacia apresentava.

 

Minha namorada tinha um tio que era adido comercial do Itamarati e quando vinha ao Brasil contava suas aventuras de vendedor de produtos brasileiros pelo mundo afora. Fora o sonho juvenil, tinha só 22 anos, o meu inglês era do cais do porto de Paranaguá e o meu francês era da escola das freiras do mesmo local. Ou seja, sofrível.

 

Mas tudo isso aconteceu no velho e maravilhoso Rio de Janeiro dos anos de 1960, onde aos sábados a gente ia na boate do pianista João Roberto Kelly no posto 3 e voltava a pé lá pelas 4 da matina, até o Posto 6 sem sermos incomodados por ninguém. Esse era o Rio de Janeiro que não tinha bandidagem e nem milícias.

 

Na época, a mesma namorada e depois mulher, tinha um tio famoso, o Dr. Alfredo Veiga Filho, um dos primeiros ortodontistas do Rio Janeiro, que virou celebridade por ter atendido uma senhora e as suas duas filhas mineiras fazendo com que as moças tivessem um belo sorriso.

 

 

A senhora, Sara, e suas filhas, Marcia e Maria Estela, pouco tempo depois se transformaram em mulher e filhas do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, o que gerou grande repercussão ao trabalho do Dr. Alfredo que, a certa altura, mudou-se para um apartamento na Praia do Flamengo número 224, em cujo triplex morava o governador Carlos Lacerda, um dos filhos do governador, cujo nome não lembro, creio que Sergio Lacerda, e passou a fazer o trabalho ortodôntico com o Dr. Alfredo. Por morarem no mesmo prédio, nasceu um relacionamento entre o governador Lacerda e o meu tio Alfredo.

 

O governador Lacerda era líder da UDN – União Democrática Nacional, “direitaça” e com pretensões à presidência. Em alguns sábados ou domingos à tarde, quando o governador estava em casa, ligava para o Dr. Alfredo se auto-convidando para descer, tomar um café, e papear sobre o Rio de Janeiro; à época só tinha telefone fixo e não era para todo mundo.

 

Quando isso acontecia, o Dr. Alfredo ligava para a casa da minha namorada para avisar que ia tomar café com o “Carlos”. Eu saia em desabalada carreira (ninguém tinha carro) para pegar o ônibus de Laranjeiras para o Flamengo a tempo de filar o café e ouvir as histórias e planos do governador Lacerda.

 

O governador era uma pessoa inteligentíssima, rápido de raciocínio e maravilhoso tribuno. Em um desses cafés, sempre regados a ótimas conversas, demos muitas risadas quando cometamos sobre uma entrevista coletiva onde o governador foi instado por um repórter do jornal Última Hora “esquerdaça raiz” e dirigido pelo brilhante jornalista Samuel Wainer, disse agressivamente que as respostas do governador tinham o mesmo feito de um purgante, ao que Lacerda de bate pronto respondeu, e o senhor é o efeito.

 

O fato é que me apaixonei pelo Lacerda, pela UDN e pela visão de centro-direita que procuro manter até hoje. O fato também é que quando a revolução para uns ou golpe para outros chegou, eu já estava junto com o que chamo de revolução.

 

 

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Este post foi escrito por: Hiram Souza

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3 comentários em "Em 1964 eu já era de direita"

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