segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Em Túnis, aventura pouca é bobagem!

 

Era 2015. De Marselle, na França, decidimos – eu e Marcio – pegar um vôo e ver qual era a de Túnis, a capital da Tunísia, no continente africano. Hotel de rede reservado pelo Booking, quarto pequeno, mas com sacada e cofre (vou explicar porque estes itens foram tão imprescindíveis).

 

À noite, fomos alcançar um restaurante bacana para um jantar com vinho. Começava a grande roubada. Apesar de produzirem um vinho de boa qualidade, lá ninguém bebe. Só chá, para minha completa antipatia e incontrolável desespero. Achamos um, com dois guarda-costas na porta – os muçulmanos radicais apedrejam com frequência os locais que vendem bebida alcoólica.

 

 

Para terminar a noite, chamuscados de decepção por causa da quase abstinência – uma garrafa para dois, apenas –, fomos parar no top floor de um hotel onde funcionava um inferninho que vendia a pior cerveja que já tomei em toda a minha vida. Água de balde pura.

 

Na manhã seguinte a prioridade era qual? Abastecer o quarto do líquido que nos move. Conversa vai, conversa vem durante o café da manhã com alguns angolanos, descobrimos que um tal Magazin tinha estoque, mas não poderíamos andar na rua com garrafas tilintando na sacola. Levei a mala de mão. Era chegar, encontrar um funcionário e falar a palavra mágica: wine! Assim foi feito.

 

 

O rapaz, esquálido e com barba por fazer, nos conduz a um porão escuro, tranca a porta e acende a luz do paraíso. O depósito clandestino era um escândalo. Tremi de emoção (ouvi trombetas?). Ali mesmo a transação foi feita. Mala cheia, rumamos para o hotel para esconder as garrafas no santo cofre. Medo de atentado. Vai que a faxineira muçulmana joga tudo na banheira! Aliviados, fomos conhecer a Medina e negociar os tapetes a preço de bandejão. Fiquei com dois, mas recusei todo o chá oferecido.

 

E era chegada a hora do almoço. Sem vinho não dá, né? O mesmo restaurante da noite anterior era tenso. Nessas situações tiro o chapéu pra mim, observadora nata do comportamento de quem está ao meu redor. Vejo a fachada de um palacete sem nenhuma inscrição. As pessoas batem na porta, um elegante senhor abre e elas entram. Puxei Márcio pelo braço e fiz o mesmo: era o restaurante mais chique de Tunis com uma adega de chorar e um cardápio de gritar.

 

 

Fomos de entrada, prato principal, dois vinhos, sobremesa, Porto. Pagamos o equivalente a R$ 100,00 em deliciosa tarde de orgia enogastronômica. À noite, nos restou apreciar o contrabando na sacada do hotel, com porta trancada e garrafa escondida.

 

O outro dia foi reservado para uma incursão pela redondeza. Fomos de trem para Sid Bous Said, uma linda e colorida aldeia, um lugar interessante que em muito lembra as cidadezinhas das ilhas gregas, com cachoeiras de Bougainville escorrendo sobre o mar azul. O meio de transporte, mais sujo nunca havia visto – Corona faria banquete. Fui e voltei de pé, chacoalhando, para não tocar nas barras de apoio. Uma ginástica. Márcio comentou da humildade e simpatia do povo, sempre disposto a facilitar a nossa vida etc. Mas há sempre exceções, claro.

 

 

O domingo foi trágico, gastronomicamente falando. Nada aberto, a cidade suja de dar dó e uma carreata de marmanjos gritando por causa de um jogo decisivo que aconteceria no final da tarde. Como eles conseguem fazer aquela farra toda sem álcool, não descobri – talvez chá alucinógeno. Tive de apelar para uma salada do McDonalds, onde até as folhas têm gosto de papel sulfite A-4 rasgado.

 

Dia seguinte era data do vôo de volta à França. Tomamos o café e paguei separado um suco de verdade com a última nota de 50 dinares com a esperança de que, com o troco, poderia comprar um vinho bacana no aeroporto.

 

 

Com essa intenção chegamos plenos de esperança. Escolhi o pinot noir que havíamos tomado no restaurante chique clandestino. Quando fui pagar com o troco, o rapaz me alertou que poderia ser presa, pois as notas que apresentei haviam saído de circulação há muito tempo. Rasguei-as ali mesmo e, realmente, poderia ter sido presa. Paguei o vinho com o cartão e, chegando ao Brasil, denunciei o hotel. Desde então, se for difícil beber, nem vou.

 

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Este post foi escrito por: Britz Lopes

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