sábado, 7 de setembro de 2024

Farinha pouca, meu pirão primeiro

 

Digamos que eu tenha uma empresa. Não importa o porte, nem o tamanho, faturamento, lucro ou prejuízo. Tanto faz a área em que ela atua. Eu sou obrigado mesmo a ter uma política clara e pragmática de responsabilidade social.

 

Talvez eu não queira e entenda isso como mais um custo; não enxergue um retorno imediato; não acredite que isso seja importante; já faça uma boa ação aqui e outra ali; talvez eu ache Responsabilidade Social um modismo passageiro, talvez eu nem saiba direito o que é isso. Mas eu sou forçado, como empresário, a ser socialmente responsável.

 

Por quê? Eu posso escolher minhas razões.

 

Porque eu tenho valores sólidos

Eu sou um sujeito decente. Sou pai e marido ou mãe e mulher conscientes. Sou filho ou filha responsável.  Sou um empresário correto ou uma empresária correta. Tenho senso de justiça e ética. Gosto de fazer a coisa certa, mesmo num país onde fica difícil saber qual é a coisa certa que dá certo.

A razão de ser da minha empresa é dar lucro, criar empregos, pagar impostos, gerar riquezas, cumprir as leis e ter saúde nisso tudo que faz.

Minha empresa já pratica essa responsabilidade social naturalmente, porque essa atitude faz parte do meu jeito de entender o mundo, do meu jeito de ser como pessoa, do meu jeito de fazer negócios como empresário.

Tudo começa no que hoje se chama Governança Corporativa, com uma gestão transparente e sadia. Não é um favor que minha empresa faz, é um dever.

 

Porque eu tenho consciência

Esse meu senso de justiça me incomoda todo dia, seja por crenças pessoais, seja por formação religiosa, seja por convicções filosóficas, seja por opção política, seja por sensibilidade: como é que eu posso viver tão bem, em meio a tanta gente que vive tão mal?

 

Se eu tive tantas oportunidades na vida, e por isso cheguei a esta minha posição de hoje, minha responsabilidade é diretamente proporcional a todos esses privilégios que tive e tenho.
Eu me sinto no dever de retribuir e distribuir, de participar, de fazer alguma coisa, de contribuir para reduzir esse desequilíbrio. A melhor forma que tenho para atuar é através da minha empresa. Afinal, faz tempo que eu não sou mais apenas uma pessoa física.

 

 

 Porque eu tenho medo

Minha família, meus funcionários, meus fornecedores, meus clientes, eu próprio, todos vivemos rodeados por pessoas desesperadas e desesperançadas. Elas são a imensa maioria, nós é que somos minoria.

Vivemos bem e com medo. Eu posso aplicar melhor o dinheiro que hoje gasto para proteger, blindar, cercar, armar, alarmar. Eu posso apostar na criação de condições estruturais, eu posso investir na construção de um futuro mais justo e mais seguro, porque meus filhos e netos irão viver nesse futuro.

 

Porque meus funcionários me cobram e eu tenho que motivá-los

 

Hoje a ideologia é o Capital e todo mundo corre competitivamente atrás de objetivos e resultados imediatistas, de curto prazo.

O ego empresarial, o ego profissional, o ego pessoal, todos os egos competem entre si e contra si. A ambição corporativa e a ambição pessoal mandam no jogo, dão as regras e as regras são claras: vencer.

Sistemas, processos, procedimentos, mecanismos operacionais anestesiaram as vontades e vocações individuais, broxaram ou desviaram o talento de cada um, pasteurizaram o entusiasmo de todos pelo trabalho, pela empresa. Assisto a esse turnover de profissionais, à infidelidade corporativa, ao desamor profissional, ao desapego e indiferença pelo trabalho, ao oportunismo individual: a carreira está no mercado, não na minha empresa.

 

A empresa que se vire, o chefe que se defenda, os colegas que se cuidem. O emprego é mais importante que o trabalho.
Tenho que unir minha gente em torno de uma ideia coletiva, que pertença a eles e à empresa. Tenho que criar uma atitude que vá além da função profissional de cada um. Meus funcionários têm que se orgulhar da empresa em que trabalham, para poderem se orgulhar de si mesmos. Assim, produzirão mais e melhor, para eles e para mim.

 

Uma política de Responsabilidade Social clara, programas de ação sérios, voluntariado empresarial (com minha equipe, meus fornecedores, meus clientes, meus consumidores) e tantas outras iniciativas sociais estruturadas e comprometidas são a seiva, que dá energia e sentido à estrutura fria e impessoal de uma empresa, inclusive a minha.

 

Porque o mercado precisa crescer, para eu crescer

 

Quanto maior e mais desenvolvido for o mercado onde atuo, mais minha empresa terá um presente forte e um futuro saudável. Minha mão de obra precisa ter estudo e formação, ser qualificada.

 

Meus consumidores precisam ter estudo e formação, ser educados para entender o valor daquilo que eu produzo. Meus consumidores precisam ter renda para pagar pela qualidade do que eu produzo.

 

Meus consumidores têm que ser muitos, em grande quantidade, de todas as faixas da população, para eu produzir mais e crescer. Crescer em volume, crescer em margem, crescer agora e crescer consistentemente a longo prazo.

 

Um mundo devastado me dá altos custos nos meus insumos de produção, energia, água, matérias primas. É também minha a responsabilidade ambiental.

 

Se eu não investir no meu mercado agora, estarei fora do jogo daqui a pouco.

Até porque não haverá mais jogo.

 

Para fortalecer minha marca

 

Foi-se o tempo em que os consumidores compravam produtos porque eles garantiam um bom desempenho a um preço justo: isso é o mínimo que o meu produto tem que oferecer – e todos os produtos oferecem as mesmas funcionalidades, porque a tecnologia é commodity.

Foi-se o tempo em que os consumidores preferiam marcas bacanas, simpáticas, amigáveis, familiares: isso é o que qualquer marca, inclusive a minha, tem a obrigação de ser, se quiser existir.

 

A cada nova geração, os consumidores estão mais informados, conscientes e exigentes. Têm voz ativa e fazem valer seu poder. Eles preferem e são fiéis a (1) um produto que satisfaz funcionalmente; (2) de uma marca simpática e relevante afetivamente e (3) que tenha valores com que eles, consumidores, se identifiquem.

 

Meu produto tem que funcionar, minha marca tem que ser querida e, principalmente, tem que ser respeitada por seus valores socioambientais e sua prática responsável.

 

***

 

Os efeitos da desigualdade social no Brasil não são apenas macroeconômicos ou históricos ou políticos. Não dizem respeito apenas aos governos.
O problema é de todos nós, empresas e cidadãos.

 

A tarefa de corrigir e equilibrar essa desigualdade tem tamanho industrial, é de proporções gigantescas. Exige massa crítica e exige resultados em escala.

 

É uma empreitada que leva tempo, um investimento a perder de vista, com algum retorno imediato e muito retorno futuro: construir condições estruturais, que garantam a sustentabilidade das mudanças.

 

Funciona exatamente como no planejamento estratégico de uma empresa, na sua visão de futuro, no seu plano de negócios de largo prazo, na implementação detalhada do seu plano de ação, no monitoramento dos resultados e na correção de rotas.

A transformação socioambiental é um negócio do tamanho da sociedade brasileira e tem que ser colocado em prática como se faz numa empresa séria. Tem que seguir a lógica do mundo dos negócios.

 

Então digamos que você tenha uma empresa.

 

 

 

Percival Caropreso é graduado em Comunicação Social pela Anhembi-Morumbi e atua nas áreas de Marketing e Comunicação, Estratégia, Posicionamento, Identidade, Imagem & Reputação, Construção de Visão, Missão, Valores & Princípios, Cultura Interna

 

Foto: Cowomen

Avatar

Este post foi escrito por: Percival Caropreso

As opiniões emitidas nos textos dos colaboradores não refletem necessariamente, a opinião da revista eletrônica.

1 comentários em "Farinha pouca, meu pirão primeiro"

Deixe uma resposta