segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Feliz encontro de dois compositores da alma de Goiás

 

Marcio Fernandes — O que era para ser uma entrevista virou uma boa conversa com os artistas Gustavo Veiga e Carlos Brandão. Gustavo, um compositor de muitos recursos e de pegada diferenciada quando se fala da música autoral sobre Goiás. Brandão, um letrista de vanguarda que entrega à melodia versos de paralisante construção poética. Com 45 anos de produção musical, neste ano eles comemoram quatro décadas De Dois, canção que os consagrou em compacto cuja capa foi feita pelo cartunista Jorge Braga no improviso. A música fez muitos corações se casarem ou outros pedirem separação. Sobre os dias atuais, Brandão acha que a manifestação do politicamente correto extrapola o normal das pessoas. Já Gustavo não vê nenhum cromossoma do seu DNA na Goiânia Capital do Sertanejo Universitário. No encontro marcado e atrasado na casa do Gustavo, é claro que teve violão e voz dos dois grandes compositores.

 

 

 

ByBritz News – Eu estava no Buteco, no Beto Galeria, quando você, há 40 anos, lançou o compacto De Dois. Como surgiu seu maior sucesso?

 

 

Gustavo Veiga – Eu tinha feito uma canção com uma letra qualquer. Inventei um nome qualquer para batizar aquela melodia. Baião de Dois. O Brandão sempre lê o meu modo de expressar musicalmente e põe palavras na minha boca, porque me conhece muito. São 45 anos de composição musical. Não tinha nada de baião.

 

 

Carlos Brandão – Na verdade, Marcinho, nós fizemos a canção com pergunta e resposta. Um homem cantava e uma mulher cantava. E aí como era feita por dois virou De Dois.

 

 

ByBritz News – E foi seu maior sucesso.

 

 

Gustavo Veiga – Foi nosso sucesso e consagrou na época uma parceria muito produtiva que dura até hoje.

 

 

ByBritz News – Brandão, como é o processo criativo de vocês? O Gustavo manda a melodia e você põe a letra? Vocês sentam juntos e compõem?

 

 

Carlos Brandão – No começo ele gravava a melodia em uma fita cassete, eu morava não sei onde, fazia a letra e mandava para ele. Depois vinha para casa dele, bebíamos e fazíamos tudo junto.

 

 

Gustavo Veiga – Isso se chama palhaço na gíria musical. O Edu Lobo fala isso para o Chico Buarque. Eu fiz um palhaço para você. Então eu faço o palhaço da música, o piloto, o Brandão capta a mensagem e faz uma letra para matar a gente. Então é foda!

 

 

ByBritz News – Vocês compuseram quantas músicas?

 

 

Gustavo Veiga – Não sei em números! São tantas verdadeiras emoções que não sei. Tem umas 200 canções. Tem as descartáveis. É difícil fazer música autoral por causa disso. Você tem de gravar, gravar, gravar para as pessoas ouvirem.

 

 

ByBritz News – Você gosta mais do estúdio, do palco ou do bar?

 

 

Gustavo Veiga –  Eu gosto mais do palco. No palco eu me vejo cantando lá na plateia. Me vejo do outro lado. As músicas que eu faço no palco foram feitas para aquele momento. Eu não sei mais cantar em bar. Não tem mais sentido. As pessoas não estão lá mais para te ouvir. A não ser em um Canecão, no Rio de Janeiro. As pessoas pagam caro para ouvir um músico caro. Que tem algo a dizer com canções novas e os grandes sucessos. Há muito tempo que não sou músico de bar. O que interessa é minha canção autoral.

 

 

ByBritz News – Ninguém canta a goianidade de forma tão autêntica como você. Por que uma temática regional tão culturalmente qualificada não aconteceu no Brasil, como fizeram os mineiros nos anos 1970?

 

 

Gustavo Veiga – Eu tenho um grupo de mineiros. São seis mineiros e eu sou o goiano da turma. O nenê da turma. Os mineiros leem. São cultos. Trazem informação de mais. Esse grupo elitizado musicalmente admira minha música. Porque minha música e do Carlos Brandão é honesta. Não está brincando de fazer sucesso. É feita para ficar. A outra coisa que eu acho. Goiás é filial de Minas Gerais e acabou.

 

 

ByBritz News – Te fez falta o sucesso nacional, aquela coisa de tocar em novela?

 

 

Gustavo Veiga – Para mim, não! Para o Estado de Goiás, sim! Marcinho, sempre foi feito assim em Goiás. Um cara faz sucesso e não leva ninguém. O pessoal do Ceará fez isso. As vaidades foram dispersadas e fizeram sucesso ao mesmo tempo.

 

 

ByBritz News – Você tem alguma sua música preferida?

 

Gustavo Veiga – A mais nova.

 

ByBritz News – Qual?

 

Gustavo Veiga – Não sei ainda!

 

ByBritz News – Brandão, em 2005 eu dirigi o programa eleitoral do PFL. Liguei para o Gustavo e pedi para que Cascos no Chão fosse o tema musical. E aí uma música de protesto acabou virando tema de um partido de direita.

 

 

Carlos Brandão – Foi um lance do Demóstenes, né? Essa canção ele mandou para mim e eu estava morando em Guaraí, Tocantins. A minha formação é muito dos anos 60, da ditadura militar. Eu era clandestino. Então, eu lembrei muito das canções do Vandré. Eu pensei: Vou fazer um trem desse. Tentei chupar o protesto, não dei conta não, mas ficou boa.

 

 

ByBritz News – A música é maravilhosa…

 

 

Gustavo Veiga –  Naquele tempo a gente tinha muito dos Taiguaras e dos Vandres da vida. Como a gente cantava na noite tinha muito aquela coisa de bandidagem. Eu tinha um poster do Che Guevara no quarto. Pode uma porra dessa? O que é Che Guevara? Eu era um bobo de Goiás Velho, de Goiânia mesmo. Eu era inocente, uma alma pura que estava ali no quarto com a prancheta desenhando arquitetura.

 

 

ByBritz News – Os militares te incomodaram em algum momento?

 

 

Gustavo Veiga – Não, não, não. Acho que eles pesquisam e viram que eu não tinha nada a ver com aquilo. Inclusive, teve um cara que se aproximou de mim. Ele tinha um sotaque francês. Disse que gostava da minha música. Foi lá em casa. Viu o poster do Che Guevara, minha prancha, minha família feliz e percebeu que eu era um babaca.

 

 

ByBritz News – Você sempre foi considerado um cara bonito, olhos verdes. Houve muito assédio da mulherada?

 

 

Gustavo Veiga – Eu me casei com 23 anos de idade. Depois fiquei cinco anos solteiro e mais 31 anos casado. Nunca estive solteiro praticamente. Eu gosto de ser casado e estar casado.

 

 

Carlos Brandão – Por que você não para de ser fino e conta para o Marcinho o que você e o Pádua aprontavam no Mareverick estacionado nas portas dos bares que a gente trabalhava?

 

 

Gustavo Veiga – Eu não! Eu nunca fiz isso. Tinha muito assédio, mas eu era casado, castrado, já tinha filho. Mesmo na faculdade de Arquitetura. Tinha minha gente bonita. Hoje tem mais do que antigamente. Hoje tem menos homem. O único casado da minha turma era eu. Eu ia fazer som para o pessoal. A turma da Arquitetura lotava os botecos. Os professores iam me ver cantar. Então, eu fiz muito sucesso nessa forma. Esse assédio. Poxa, a carne é fraca, o vício é forte e a vida é curta. Isso é muito bom e eu sou irresponsável para cacete.

 

 

ByBritz News – Até o advento da Internet, a classe musical reclamava que não conseguia gravar. Se gravasse, não tocava no rádio sem prestar favorecimento. Como está a situação do músico hoje?

 

 

Gustavo Veiga –  Foi o que eu te falei. Fazer uma música é uma coisa, fazer um livro é outra. Antigamente era difícil você divulgar uma música. Ninguém ouvia. Pouquíssimas rádios tocavam. Hoje em qualquer lugar se ouve a sua música. Os bares de Goiânia eram o grande palco. Eu me penso como compositor, não como cantor ou instrumentista. Os streamings são muito importantes, pois minha música autoral está sendo veiculada muito mais do que no passado.

 

 

ByBritz News – E há a remuneração do direito autoral à altura das veiculações?

 

 

Gustavo Veiga – Nada. Nunca tive. Né Carlão? Eu recebi R$ 63,00 este mês. É irrisório!

 

 

ByBritz News – O que te diferencia como músico é a relação ancestral com Goiás Velho?

 

 

Gustavo Veiga – Sim, sim, sim. Tinha as caravanas no Rio Araguaia que eu ouvia muita coisa do Mato Grosso ligada a Goiás. A guarânia. Cascos no Chão é uma guarânia. Aquela coisa que vinha do Almir Sater. Aquela fumacinha do Almir Sater veio a Goiás e eu peguei isso. Porque eu adoro isso. Segundo o Sílvio Barbosa eu nasci de um acidente em Goiás.

 

 

ByBritz News – Você acha que o goiano tem vergonha de ser caipira?

 

Gustavo Veiga – Não! Eu acho que não! Eu não tenho! Tenho pavor de ser caipira. Nós somos um Estado de muro tão baixo que todo mundo entra aqui e faz o que quer. Não dá seta e aquelas coisas. A capital sertaneja do Brasil. Que lindo! Isso dá um ibope maravilhoso para Goiás. Maravilhoso! Legal Mas não é o lugar onde eu nasci. São pessoas que não tem nada a ver com a gente.

 

 

ByBritz News – Quando tentam curtir com a minha cara sobre música sertaneja eu falo: Tudo começa com dois caras que são chifrados no interior de Goiás, formam uma dupla caipira em Goiânia, mas fazem sucesso em São Paulo, na terra de vocês.

 

 

Gustavo Veiga – Hahahahaha! Eu sou um goianiense. Esses caras não me representam. Amo gente humilde. O simplório a gente aceita. Agora, você falar que minha cidade é sertaneja universitária é o fim do túnel, meu irmão. Não é meu DNA. Meu CEP não é esse. Não é a música deles que me irrita. Eu não ouço isso. É o comportamento desses caras que invadem minha casa, a minha cidade.

 

 

ByBritz News – Brandão, como é que você reage ao politicamente correto?

 

 

Carlos Brandão – Você não reage. Eu acho o politicamente correto alguma coisa meio babaca, assim. Lógico que eu sou de uma geração na qual tudo era natural. Não é que seja natural racismo ou homofobia. Tratar as pessoas era natural. Bullying era uma coisa meio boba. Tem hora que o politicamente correto extrapola o limite normal das pessoas. Todo mundo está reclamando de alguma coisa e reclamar é ruim. Hoje o Brasil se dividiu entre dois velhos bandidos que são o Lula e o Bolsonaro. Os caras ficam apegados a dois caras que não têm sentido algum para o Brasil. Será que não há alternativa a isso?

 

 

ByBritz News – Você tem medo da velhice?

 

 

Gustavo Veiga – Como é que eu posso ter medo do que já sou?

 

 

Carlos Brandão – Posso refazer a pergunta? Você fica sozinho, solitário?

 

 

Gustavo Veiga – Sempre fico sozinho quando componho e desenho. Não consigo produzir com alguém. Depois que a coisa está feita, aí sim. Vem cá complementar. Eu sou egoísta pacas. É como pescar. São duas pessoas no máximo. Não quero ouvir música. Não quero beber. Eu gosto de ver a seleção brasileira sozinho. No máximo minha mulher e um filho. Calado, ouvindo o futebol. A tensão é tão grande que não pode ser dividida com ninguém.

 

Fotos: Marcio Fernandes

 

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Este post foi escrito por: Marcio Fernandes

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12 comentários em "Feliz encontro de dois compositores da alma de Goiás"

  • Avatar Lili Moreira disse:

    Adoreiiiiiiiii estr papo de histórias e memórias afetivas com dois ícones, grandes artistas, minhas paixões, minha adolescência, aí meu Deusssssss tocou meu ❤️, Márcio e Britz vcs por que fazem isso com a gente 😭😍, parabénsssssssss

  • Marcelo Melo Marcelo Melo disse:

    Gustavo é o cara. Ele e seu parceiro, Brandão, fizeram o que de melhor já existiu na música regional de Goiás. Pegada da turma de Minas, afinal somos juntos misturados. Parabéns pelo talento, originalidade e simpatia. Mais uma grande entrevista aqui no britznews.

  • Avatar Maria josé Medeiros disse:

    “Feliz encontro de dois compositores da alma de Goiás” realmente ficou ótimo, Gustavo e família estão sempre na minha vida e Amo todos, o Brandão sempre que encontro Gustavo é em comemoração ou vamos todos prestigiar os dois, uma dupla que tiram do fundo do coração e compõem melodias(fabricam) e letras adoráveis. Muito boa a iniciativa de vcs (enquanto estamos vivos é melhor)

  • Avatar Lucia disse:

    Legal 👍

  • Avatar Joao Caetano disse:

    Uma parceria maravilhosa . Um trabalho musical extremamente bem cuidado , me emociono quando cantos as canções da dupla .
    Adorei a entrevista .
    João Caetano

  • Avatar Marco Antonio disse:

    Muito boa a entrevista!!! Parabéns ao entrevistador e aos entrevistados!!! 👏🏻👏🏻👏🏻

  • Avatar Walter Filho disse:

    Parabéns bela entrevista

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