História das lamparinas com janela e a bênção do patriarca
Marcio Fernandes – Na quinta-feira, estava caminhando ao lado do Forte de Samuel, em Ohrid (Macedônia do Norte), uma fantástica combinação de opulenta obra de engenharia e grandiosos fatos históricos protegidos por suas muralhas, quando do nada encontro um jaboti almoçando gramíneas na sombra do sol das 13 horas. Eu não quis forçar amizade nem interromper a refeição. Por instinto, logo que me viu, o quelônio terrestre se recolheu à carapuça. Segundos depois, percebeu que eu não era um predador e prosseguiu na alimentação.
Feita a certificação, ele pergunta a minha nacionalidade e, diante da resposta, interrompe o almoço para falar, em nome de todos os jabotis, inclusive do Brasil, da indignação da espécie com o procedimento de nossos deputados e senadores. O quelônio terrestre ressalta que ele e os seus assemelhados jamais deram autorização aos parlamentares brasileiros para serem a execrável figura de atividades legislativas clandestinas destinadas a dar aparência de legalidade a vantagens indevidas.
“Peço questão de ordem, como eles dizem em Brasília, para deixar bem claro que não subimos em árvore e fica já registrado o meu protesto contra qualquer iniciativa parlamentar, seja ela explícita ou furtiva, que tenha por finalidade instituir privilégio, quebrar o princípio da boa-fé ou criar circunstâncias de impunidade, inclusive no que se refere à natimorta PEC da Blindagem.”
O forte leva o nome do Czar Samuel (997-1014), que estabeleceu em Ohrid a capital do poderoso Império Búlgaro. Consagrada Patrimônio da Humanidade pela Unesco, a fortaleza é situada no ponto culminante da Colina Plaoshnik, 100 metros acima do nível do Lago Ohrid. O forte data, na verdade, do século 4 A.C, e foi bastante ampliado pelo czar para conferir ao seu império vantagem militar estratégica de avistar a oeste os inimigos que navegavam o lago de igual nome e a leste os que marchavam em direção da cidade. Hoje restam as muralhas de impressionantes três quilômetros de extensão que variam de uma altura de três a 16 metros.
O macedônio é gentil por natureza. Por outro é portador de atávica displicência, mais ou menos como o Manezinho da Ilha em Florianópolis. O baiano carrega no Brasil a fama de preguiçoso, no entanto ele se torna o mais dilgente dos nacionais se comparado com os nativos da Ilha de Santa Catarina.
Não espere do pessoal do segmento de serviços prontidão e eficiência para não se decepcionar. Ontem mesmo fui tomar café da manhã e tive de ir até a garçonete para que interrompesse a dedicação a volumoso prato de batata frita com Coca-Cola e voltassse a atenção ao trabalho.
Não é uma questão de preguiça, mas só dá pessoa desconfiar. Depois de trazer o café da manhã, a gordinha foi fumar em uma das mesas do restaurante e fofocar no WhatsApp. Calculei que, nesta tuada, em três anos ela irá superar os 90 quilos. E como fumam os macedônios mesmo nos ambientes fechados!
Ontem, na bateção de pernas, encontrei pelas ruas de Ohrid sete obtuários afixados em papel no formato A4 nas paredes e árvores da cidade. Dispenso a cortesia dos que deixarei neste mundo e espero que eles me levem a um crematório a lenha.
Outra curiosidade de Ohrid é a paixão dos habitantes pelas flores. Elas cobrem por inteiro a faixada das varandas, estão dispostas nos jardins das residências e crescem até sobre uma enorme ânfora de argila. De igual forma, pés de figo, pequenos parreirais e algumas macieiras são encontrados nas ruas da cidade em plena produção.
Fui embora de Ohrid super feliz com a estadia de dois dias, mas não volto por lá em razão de outras prioridades de viagem. Anteontem, no Monastério de São Pantaleão, recebi a bênção do patriarca do majestoso templo e fiz o ritual do beija-mão. Depois, desci a colina a pé em apreciação das lamparinas que reproduzem o formato das janelas tradicionais de Ohrid.
Marcio Fernandes é jornalista
Fotografias do autor