sábado, 4 de outubro de 2025

Janelas miúdas das casas de taipa na cidade mais linda dos Balcãs

 

Marcio Fernandes – Prizren, capital cultural do Kosovo, situada no sudoeste do país, é de noite ou de dia a cidade mais linda de todos os Balcãs. Evidências arqueológicas atestam a presença humana nos contrafortes dos Montes Sharr, que a emolduradam desde a Idade do Bronze, mais ou menos 3,5 anos AC. Na antiguidade esteve sob a governança do Império Romano do Oriente, Bizâncio, quando era chamada de Theranda.

 

Em seguida, foi capital da Sérvia na Idade Média, a partir do seculo 13 e se tornou o maior centro de comércio do Império Otomano, depois de ser conquistada em 1455. Por aqui passavam mercadores de todas as parte do mundo que faziam a Rota da Seda para abastecer de especiarias o Mediterrâneo e o vale do Rio Danúbio, além de ser uma conexão natural com Constantinopla.

 

 

A paisagem urbana reflete a riqueza econômica do passado glorioso nas edificações de pontes, casario, mesquitas e monastérios. Há uma miscigenação de influências arquitetônicas islâmica e cristã, com a predominância, no centro histórico, de casas em três pavimentos erguidas em taipa e sustentadas em viga com paredes caiadas.

 

As janelas miúdas das edificações conferem à cidade uma beleza singular, que fica ainda mais encantadora pelos jardins de crisântemos que colorem o rés do chão das fachadas. Banhada pelo Rio Lumbardhi, ela se espraia em ambas as margens do manciancial e tem na Antiga Ponte de Pedra, com três arcos, construída no final do século 15, toda a diferença do conjunto arquitetônico. A majestosa mesquita de Sinan Pasha é de longe a edificação dominante da paisagem urbana pelo seu porte de 196 m², com destaque para o soberano domo de 42,5 metros de diâmetro.

 

 

A mesquita foi construída entre os anos de 1607 e 1615 e guarda luxuoso interior. É aberta à visitação pública, mas muito cuidado nesta hora. Mesmo sabendo da obrigatoriedade de entrar em seu interior sem sapatos, eu apenas cheguei próximo da porta de entrada para dar uma espiada expedita e já tomei uma carrraspana grande de uma senhora que cuida da mesquita. Ela cismou comigo e ao deixar o interior a agradeci e tomei outra esparramada, pois dentro da mesquita é mandatório observar obsequioso silêncio.

 

Na colina dos Montes Sharr se encontra o que remanesceu do Forte de Prizren. A construção remonta o Império Romano do Oriente, cumpriu função estratégica nos domínios da Sérvia e foi destruída durante a Primira Guerra Mundial. Do alto das muralhas se obtém magnífica visão panorâmica da cidade e de todo o vale do Rio Lumbardhi. Subir até lá a pé não é coisa para principiantes. São mais ou menos 20 minutos por uma trilha muito íngreme.

 

 

Considerada a capital cultural do Kosovo, Prizren era e é um empório de produção artística. Por aqui há uma criação de artes plásticas dispostas em boas galerias, uma grande tradição do fabrico de instrumentos musicais, tapeçaria e artesanato de fina estampa. A cidade é famosa pela confecção de filigrana em ouro e prata e conta com festival de teatro ao ar livre, além de sediar uma bienal de arte.

 

No meu primeiro dia em Prizen tive a oportunidade de dar uma andada considerada boa e muito observadora do ambiente urbano. O primeiro encontro foi com Nazim Saragoli, um barbeiro à moda antiga, em minúsculo estabelecimento com cadeira de metal. Ele me deixou fotografá-lo e não tivemos diálogo mais proveitoso pela barreira do idioma.

 

 

Na margem direita do Rio Lumbardhi vejo de longe Dora Weiss, russa de origem judaica, a fazer a pregação da palavra de Cristo para três muçulmanas que deram muitas risadas da iniciativa missionária. Ela me contou que fala cinco idiomas, incluído o albanês, mora no Kosovo há 22 anos e não vê motivos para perplexidade de uma judia falar de Jesus em uma cidade na qual 96% da população é fiel a Maomé: “o coração de Cristo é aberto a todos os povos e religiões”, comentou.

 

 

Foi muito interessante observar alfaiates a cortar um dobrado e tirar as medidas dos clientes. Entrei em uma das dezenas de lojas de noivas para saber da funcionalidade de vestidos adornados com bordados dourados feito a mão e de rico ornamento. Fui recebido com extrema amabilidade por família unida na tarefa de recolher 300 quilos de lenha em provisão para o inverno que se aproxima e fiz a foto dia ao flagrar muçulmano de barbas longas bebendo água de mina em frente da grande mesquita de Sinan Pasha.

 

O melhor almoço de toda viagem aconteceu em restaurante tradicional da cidade muito barato. Havia salada com cama de cebola cortada em cubos, temperada com azeite e vinagre da terra. Depois veio pão saído do forno com casca crocante de semente de trigo. Como prato principal, sensacional kafta de cordeiro assada na lenha. Por fim, um chá muito bom que não saberia dizer a natureza da erva. Me senti no régio almoço um descendente de oitava geração de algum sultanato otomano a dominar as iguarias do Kosovo.

 

Marcio Fernandes é jornalista

Fotografias do autor

Este post foi escrito por: Britz Lopes

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