segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Marcelo Solá: “Meu ateliê é onde eu estou”

 

Marcio Fernandes — Artista da palavra e do desenho, Marcelo Solá definitivamente não gosta de dar palpites sobre tudo nem de expor sua vida pessoal, apesar de sentir-se nu quando mostra o seu trabalho. Desenhista de vanguarda, acredita que a sua história deve ser escrita por intermédio de sua obra. Aos 30 anos de carreira, este excepcional artista brasileiro, com ateliê situado em Hidrolândia (GO), falou com o Bybritznews de Barcelona, Espanha. Solá tem em comum com a capital da Catalunha, além do arrojo cultural exagerado, o avô que nasceu na cidade e foi acabar no Rio Javaés, Goiás, onde conheceu e se casou com uma senhora de origem indígena. Ele até descobriu que seu sobrenome foi grafado com acentuação errada, na verdade é Solà. Versátil e sempre incomodado com a perfeição, ele espera viver mais cem anos para conseguir “ficar pronto.” Que desenho ele faria do Brasil? “Sinistro, triste, mas que pode melhorar.”

 

 

BBnewsEntrevista – O que você está fazendo em Barcelona no inverno europeu?

Marcelo Solá – Nem está tão frio. Viemos passar o Ano Novo. É a terceira vez que venho a Barcelona, que eu adoro. O meu avô era daqui, catalão. Ele saiu daqui foi para o Rio, São Paulo e Goiás. Conheceu minha avó, que tinha ascendência indígena, no Rio Javaés. O sobrenome Solá é muito comum aqui então tenho uma paixão pela cidade. Aqui aproveito para visitar museus, galerias, desenhar um pouco. Alugamos um Airbnb que tem uma mesa bacana, que dá para trabalhar. Uma viagem bem produtiva.

 

BBnewsEntrevista – Barcelona sempre está na vanguarda cultural da Europa. Como está o politicamente correto por aí?

Marcelo Solá – Barcelona é uma cidade muito contemporânea. Aqui por exemplo tem o banheiro sem gênero há muito tempo. Eles tem um respeito muito grande com tudo; está na cultura deles. Tudo se resolve de uma forma mais natural. Eu fui comprar um sapato e não sabia se era de menino ou menina e o atendente da loja disse que era para qualquer um. Há também lojas de roupas indistintas para meninos e meninas. É uma tendência que ainda vai chegar ao Brasil.

 

 

BBnewsEntrevista – Acho que vai demorar um pouco porque o Brasil ainda não tem uma cidade tão avançada quanto Barcelona né?

Marcelo Solá – É verdade. Aqui tudo é muito valorizado, como a arquitetura, que é bem preservada, as artes gráficas – a gente vê nos cartazes de rua. Tudo é muito bem feito. Fui à Fundação Mirò, onde está em cartaz uma exposição com desenhos botânicos muito interessantes. Então fico observando os detalhes que envolvem a mostra. Tudo é muito sofisticado.

 

BBnewsEntrevista – A rica litogravura da Espanha também é fonte de inspiração?

Marcelo Solá – Demais. Ontem numa feira de antiguidades e comprei tipos móveis de fazer cartazes, apesar de que hoje não tem mais como usar isso – só no centro gráfico da UFG há ainda uma tipografia, inclusive quero fazer um trabalho lá este ano. Aqui é muito valorizado e está voltando agora, com as pequenas gráficas e o trabalho mais artesanal.

 

“Teria viver mais cem anos para tentar me situar”

 

 

BBnewsEntrevista – Em que medida essa experiência na Europa influencia sua obra?

Marcelo Solá – Acho que serve para eu me localizar. Eu trabalho em Hidrolândia e eu fico muito tempo sozinho, quase não tenho visitas. Com a pandemia me afastei ainda mais. Vou todos os dias para o ateliê e não saio muito de casa. E quando viajo eu me encontro em outros artistas e outras correntes de pensamento, que é muito bom para que eu possa analisar a minha produção. Daí percebo que não estou sozinho. Há muitas pessoas trabalhando com linguagem próxima a minha. É um caldeirão de ideias e os artistas vão se agarrando nisso. Essas temporadas que passo fora servem para me inspirar, me localizar e encontrar coisas novas. Além do mais, meu trabalho sempre foi meio nômade. Meu ateliê é onde eu estou. O meu desenho funciona primeiro na cabeça e pode ser materializado em qualquer espaço. Aqui onde estou dá para fazer coisas incríveis, um trabalho que absorve muito do lugar onde eu estou; a cultura, a língua, tudo.

 

BBnewsEntrevista – Você fala catalão?

Marcelo Solá – Não, inglês e um pouco de espanhol. Aqui descobri que o acento do meu nome deveria ser grave, não agudo, como fui registrado.

 

BBnewsEntrevista – No Brasil artista tem opinião a respeito de tudo. Você não, né?

Marcelo Solá – Raramente eu apareço. De vez em quando dou uma opinião política. Tenho minhas teorias, mas não sou um cara de ficar levantando bandeira. Só cutuco quando me sinto muito incomodado com alguma coisa. Sou mais feliz cuidando do meu trabalho.

 

BBnewsEntrevista – O Solá já é um artista bem situado na aldeia global?

Marcelo Solá – Eu acho que não. Teria viver mais cem anos para tentar me situar. Hoje há milhares de artistas e de tendências. É muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. Mas o fato de eu estar produzindo e circulando já é algo muito bacana. Eu tenho mostrado o meu trabalho com certa frequência, com uma exposição por ano; evito fazer mais porque sou muito exigente com o que eu faço.

 

 

“A imperfeição é o que me move a continuar procurando”

 

BBnewsEntrevista – Hoje você se encontra no auge da sua carreira?

Marcelo Solá – Não mesmo. Tenho ainda que desenhar muito e me encontrar. Há muito o que ser feito. Vou ao ateliê todos os dias e vejo que ainda falta alguma coisa nos trabalhos: um traço, uma cor, uma história. A imperfeição é o que me move a continuar procurando. Eu me comunico através do desenho, não sou muito de falar de mim mesmo. Quando eu exponho os meus trabalhos, estou ali pelado. É como se estivesse revelando os meus segredos. É mais tranquilo falar de mim através da minha arte. É mais fácil, na verdade. Meu desejo é que a minha história fique através dos desenhos, que são um conjunto de ideias. Eu tenho 30 anos de carreira e ainda não estou pronto. Preciso de mais cem anos. Esse é o desafio, mas faço uma coisa na qual me sinto bem encaixado.

 

BBnewsEntrevista – Qual o seu maior desafio?

Marcelo Solá – Fazer arte requer uma rotina, disciplina, mas pra mim é difícil porque tem muita coisa para fazer. Eu voltei a treinar três vezes por semana, daí não posso beber todos os dias, como fazia antigamente. Tenho de ter horário, dormir cedo, acordar cedo. Bebo na sexta, sábado descanso, domingo tomo mais um drinque, segunda volto à rotina. Esse equilíbrio é desafiador. Tem também a logística. Desenhar é o melhor lugar do mundo, mas depois envolve a fotografia, a moldura, o catálogo, a exposição.

 

“Eu sou um desenhista, não pintor”

 

 

BBnewsEntrevista – Como é que funciona a sua Editora?

Marcelo Solá – A Hidrolands Grafisch Atelier fica em Hidrolândia onde está meu ateliê. É um local de fermentação de ideias. Surgiu com a vontade de fazer o meu próprio livro. Eu adoro design gráfico, sempre fiz. E eu trabalho com o Maurício Mota há mais de 20 anos. É ele quem faz o projeto gráfico de todos os meus materiais. E lá fazemos o que gostamos: serigrafia, livros colecionáveis; trabalhos especiais, com papel interessante, capas legais; tudo feito artesanalmente. E eu adoro todas as formas antigas de reprodução de texto e imagens. Lá trabalhamos muito com os novos artistas. Fazemos serigrafias assinadas e numeradas e livros de artistas com tiragem máxima de 200 exemplares, para agregar valor e se tornar objeto de desejo; uma obra colecionável. Há livros que são feitos em tipografia e costurados, pra se ter uma ideia; muitos processos artesanais. Lá também fazemos camisetas.

 

 

BBnewsEntrevista – A crise brasileira generalizada não te estimula a, de repente, chutar o balde e ir morar fora do país?

Marcelo Solá – Antes nunca tinha pensado por causa dos meus pais; era muito ligado a eles. Hoje não os tenho mais. Meu pai morreu na primeira onda da Covid. Daí pensei que não tenho mais ninguém para cuidar aqui e posso morar em qualquer lugar do mundo. Isso está vivo em mim. Eu estou experimentando. Mas acho que agora a tendência é melhorar, mas temos de estar sempre vigilantes. Para o artista é sempre bom mudar de ambiente, pois a gente sempre aprende algo com alguém. Isso é muito estimulante. E em viagem sempre se vê coisa nova. É assim quando vou a Hidrolândia e Nova Fátima, que adoro. Uma cidade de uma rua, que sempre me surpreende. Então imagina quando vou a Paris? Ser nômade tem suas vantagens, a gente se expõe a outras realidades.

 

BBnewsEntrevista – Qual o desenho você faria do Brasil hoje?

Marcelo Solá – Uau! Um desenho sinistro, triste, mas que pode melhorar. Foram quatro anos de muito sofrimento. Eu tenho muita esperança, pois acho que são coisas simples de serem feitas.

 

BBnewsEntrevista – Qual artista você gostaria de ter sido se não fosse o Solá?

Marcelo Solá – Pergunta difícil. Nem sei. Não queria assumir o lugar de ninguém. Queria ser eu mesmo.

 

BBnewsEntrevista – Solá, hoje todo mundo é jornalista, fotógrafo, cineasta e artista etc. Dá para o cara já começar só cubismo e não saber desenhar?

Marcelo Solá – Pois é. Tem muita coisa a ser observada. Eu vejo o desenho como uma ferramenta primária. Eu sou um desenhista, não pintor. Mas dependendo do trabalho, o artista às vezes não precisa saber desenhar. Além do mais, a linguagem do desenho já modificou. Dentro das artes visuais há mil tendências. Com a velocidade da informação, fazer arte é outra coisa. Pode ser um cara trabalhando no computador sozinho ou conectado com outro artista em qualquer lugar do mundo, basta ter ideias legais, que é o mais difícil.

 

BBnewsEntrevista – Goiás é mesmo um celeiro de bons artistas. Tem alguma coisa que te interessa do que está sendo produzido no Estado?

Marcelo Solá – Tem muita coisa bacana. Na minha editora trabalho com muita gente nova e boa. Eu observo muito os novos. Trabalhei primeiro com o Pedro Castelinho, para quem produzi um livro e um CD. Na sequência ele foi fazer faculdade em Amsterdam e hoje está trabalhando lá como músico e artista plástico. Tem também o Estevão Parreiras, um cara que tem um desenho muito bacana, assim como a Manuela Costa. Tem muita gente nova que está começando aparecer. Basta ter uma escola pública boa e espaço para mostrar os trabalhos.

 

Foto do Marcelo: Éder Bonfim

Fotos dos desenhos: Paulo Dourado

 

 

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Este post foi escrito por: Marcio Fernandes

As opiniões emitidas nos textos dos colaboradores não refletem necessariamente, a opinião da revista eletrônica.

2 comentários em "Marcelo Solá: “Meu ateliê é onde eu estou”"

  • Avatar Noemy Faria disse:

    Um show de entrevista. Como é enriquecedor falar com pessoa interessante e rica culturalmente. Parabéns, Marcinho.

  • Avatar Rosa Donzelli disse:

    Que o Solá desfrute e aumente ainda mais a sua criatividade (( diga-se de passagem que já é estupenda )) nessa cidade que é TUDO DE BOM!

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