quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Mau humor é doença?

 

Sabem alguns amigos — e inimigos — que funciono um tanto como aqueles soldadinhos de brinquedo em que se basta dar corda para que eles saiam por aí fazendo as suas soldadices. “Dar corda”, geralmente, costuma significar “não dar razão ao Marcelo Franco, que sempre a tem”, mas também, por assim dizer, pode vir de alguma instigação. E instigação foi o que a editora Britz Lopes trouxe numa mensagem de WhatsApp: mau humor é doença? Pronto. Corda dada.

 

Matuto. Elucubro. Mento. Reflito, considero, examino, peso e pondero. Não, não é, concluo. É necessário, porém, esquecer a ideia de que o mau humor seja um estado de espírito ou mesmo um traço de personalidade; ele é, claro, uma arma, um míssil antibalístico que usamos contra os ataques que nos chegam, diariamente, de todos os lados. O mau humor é uma OTAN que nos preserva a integridade territorial do cérebro. E é também uma técnica (ou arte), porque nos livrar do arsenal nuclear vindo da convivência com os próximos e os não tão próximos requer precisão no seu uso — ser mal-humorado é preciso, viver não é preciso. Vale dizer: o mal-humorado tradicional, raiz e goiano do interiorrr, é um ser que vive alegremente — não se enganem, somos alegres! — porque destrói os ataques que lhe chegam; já o que se entende comumente por mau humor costuma ser apenas chatice mesmo, justamente o principal alvo do mal-humorado. Duvidam? Não duvidem — leram ali acima que sempre tenho razão? Pois é. Então reflitam sobre o ataque russo que sofremos todos os dias — a pequena lista do parágrafo abaixo é uma amostra razoável, creio.

 

No limite — O café da manhã é servido das 6h às 7h30; O livro é um soco no estômago; O senhor foi escolhido, como nosso cliente especial, para uma oferta maravilhosa; O filme destrói o American Way of Life; O autor subverte os cânones de começo, meio e fim; Para provar que não é um robô, clique nas fotografias com semáforo (aliás, poste de semáforo conta como semáforo?); Tem um ótimo custo-benefício; Não temos a M branca, mas eu trouxe a G amarela para o senhor experimentar; Império Serrano: nota dez!; Não deixe sua assinatura vencer; Temos uma proposta oriental, mas com uma pegada punk-gótica (ou algo que o valha); Olá, sou do departamento de relacionamentos da empresa; Olá, somos do governo e estamos aqui para ajudar; Não gosto do Frank Sinatra; Começou o prazo para a declaração do IR; Não percam o show, no melhor estilo banquinho e violão; Essa chuva que não vem… (com a agravante de ser frase dita como arma química, ou seja, no elevador); (também no elevador) Trabalhando muito?; Você não entendeu, então vamos lá; Senhor, este telefonema está sendo gravado; Pai, pai, fui sequestrado… (telefonema que costuma chegar para quem não tem filhos, aliás); O site está em manutenção, tente mais tarde (depois de dez etapas percorridas); Nunca antes na história. Uma pequena lista, bem veem.

 

O clone — Confesso, contudo: utilizo com moderação o mau humor para o poder gastar com mais prazer contra o sistema bancário. Conto uma historinha (e a relembrar me traz urticárias). Já usaram o meu cartão para comprar uma motocicleta. É sério — e o sistema de segurança do banco que me coloniza nada apitou. Houve também outras compras diversas: algum cacareco qualquer em Ourinhos, snorkel (não sei nadar), marionetes polonesas, roupas de teatro elisabetano, um púcaro búlgaro, dioramas de guerra, tigres albinos zarolhos, assinatura de jornal em árabe, mísseis teleguiados, camelos com três corcovas, um riquixá vietnamita, coisas assim. Nada, nunca, nonada: o sistema de segurança jamais badalou, disparou, me alcançou ou bloqueou o cartão.

Pois certa vez comprei um livro por, digamos, R$ 86,00. Cartão bloqueado. Tudo bem, já ocorreu antes, pensei, basta ligar para o banco e fazer o desbloqueio. Inocente sou, inocente fui — vejam: foi bloqueado e outro cartão foi ordenado sem a minha solicitação, o que me levou a ter de o registrar em sites diversos, Netflix, Amazon, Playboy e outros tantos semelhantes, coisa extenuante que nem se me derem corda consigo fazer em menos de cinco ou seis meses. “A transação foi suspeita”, afirmaram, como se eu não comprasse livros, no mesmo site, todas as semanas. Assim, para não me transformar no tiozão “Cadê o PROCON?”, resta ser mal-humorado, obviamente.

E o fato é que somos maltratados por prestadores de serviço aqui no Berço Esplêndido como se isso fosse um tipo de esporte nacional, algo tão inevitável quanto DCEs emitirem notas de repúdio em profusão, e por isso o mau humor deveria ser bem imaterial tombado, à frente do samba e da emissão de opiniões com base nas ideias daqueles especialistas de TV, praga nacional que extinguiu a saúva.

Releio o que escrevi e corrijo o primeiro parágrafo, por fim: o que me dá corda mesmo é qualquer ignição que me leve a respostas ríspidas e brutas. Mal-humorados do mundo, uni-vos!

 

Texto de Marcelo Franco exclusivo para www.bybritznews.com.br .Abaixo, a foto do autor, nem sempre bem humorado como se apresenta.

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Este post foi escrito por: Britz Lopes

As opiniões emitidas nos textos dos colaboradores não refletem necessariamente, a opinião da revista eletrônica.

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