Mértola, uma cidade para se apaixonar à primeira vista
Marcio Fernandes – Há lugares pelos quais você se apaixona à primeira vista e não tem explicação. Assim foi a minha relação de dois dias com Mértola. Localizada no Baixo Alentejo, Sul de Portugal, esse pequeno aglomerdado urbano é repleto de singularidades históricas, além de uma beleza sem igual.
Calma por natureza, ela já foi um próspero emirado árabe independente, um dos principais portos fluviais com acesso ao Mar Mediterrâneo e importante reduto templário. Hoje é um destino turístico a ser descoberto para quem pretende fugir dos grandes centros e se nutrir da gastronomia alentejana fenomenal enquanto aprecia essa dádiva do Rio Guadiana.
Por aqui, as pessoas são reservadas, serenas e guardam na educação milenar de berço o cumprimento obrigatório do bom dia, boa tarde, boa noite, pouco importando se você é um transeunte desconhecido. Capital portuguesa da caça, no cardápio dos seus poucos restaurantes você vai saborear carne de lebre, perdiz, javali e cervo. Tudo derivado do ambiente natural das terras onduladas do Alentejo.
Caso você seja de alguma sociedade protetora dos animais, adota conduta alimentar vegana e se utiliza da linguagem neutra, não venha cá, pois o mi-mi-mi do politicamente correto é abatido por armas de fogo de longo alcance.
Ao contrário, se o seu interesse é por ter experiência de viagem ambientada na arquitetura medieval europeia, aqui é o endereço certo. O município possui aproximadamente 7 mil habitantes distribuídos em sete freguesias (distritos) e tem um indicador altíssimo de expectativa de vida: 78,3 anos, que pode ser atribuído à qualidade do azeite, ao pão caseiro sem concorrência em toda Europa e, é claro, ao vinho alentejano, que os locais apreciam como parte da alimentação cotidiana.
No pequeno núcleo urbano de Mértola há muito o que se ver em pelo menos dois dias. A principal referência naturalmente é o castelo medieval com sua torre quadrangular de 30 metros de altura. Lá é também o ponto de partida para grandes descobrimentos da arquitetura singular do Alentejo, distribuída em vias estreitas e praticamente isentas da circulação de veículos automotores.
Na cidade se encontra o único centro de estudos islâmicos de Portugal e há uma intensa atividade de pesquisas arqueológicas que atestam a ocupação de várias civilizações por milhares de anos, cujos objetos podem ser apreciados nos museus da cidade. Para os adeptos de caminhada de longo curso, Mértola é um paraíso com várias rotas lineares e circulares demarcadas em campo.
Portugal possui certas idiossincrasias de linguagem que causam alguma estranheza ao brasileiro de primeira viagem na terra sagrada dos nossos colonizadores. Eu nem lembrava de que ontem era Dia de Finados, mas a ficha caiu ao passar em frente de agência funerária a anunciar “serviço permanente”. Como não há morte provisória, os caras devem ter um próspero negócio.
E que tal aviar uma receita de medicamentos na Farmácia Pancada? Em delicioso restaurante de comida regional, fiquei em dúvida se pedia uma bifana na carcaça ou tiborna de bacalhau enquanto lia em jornal do Alentejo que o tempo para os próximos dias seria pleno de “anomalias positivas”, ou seja, a presença do sol com alguma poeira vinda do Deserto do Saara.
Nada me causou contrariedade, exceto o nome Aureliano Fernandes dado a uma extensa avenida na parte nova de Mértola. Com todo respeito ao ilustre senhor, penso que o único Fernandes que merece dar nome a uma rua é o nosso saudoso Millôr, o Oráculo de Ipanema.
Marcio Fernandes: texto e fotografias
Que beleza de lugar e que linhas bem traçadas as suas, caro Marcio. Nao conheço o Alentejo, mas ele me lembra um dos mais belos poemas de José Regio. Chama-se “Toada de Portalegre”. Ouvi, pela primeira vez, em um disco de vinil que recebi de presente há mais de 40 anos do querido e saudoso Mestre Jorge Amado. A interpretação é de Joao Villaret, o grande, senão o maior declamador de poemas portugueses de todos os tempos. Villaret deu o seu nome, hoje, a um dos importantes teatros de Lisboa. Fica na grande Avenida Fontes Pereira de Melo, perto da Praça Marquês de Pombal. Já a cidade de Portalegre (me corrija, Mestre Marcio) é a cidade raiana, capital do distrito de mesmo nome, no Alto Alentejo.
E gostei da homenagem ao Mestre Millôr Fernandes. Nem sei quem é ou foi o Aureliano, mas concordo em gênero, número e grau com sua proposta… rsrsrs
Ouçam o poema de José Regio na interpretação de Villaret na histórica apresentacao no Teatro Sao Luis e gravada no disco de vinil citado:
https://youtu.be/2UCFzjldbYw?si=H2BDCQxPhQWok9CO
Muito obrigado, querido Gravatá. Especialmente por ter me apresentado o genial Millôr.
Viajo com você nesses textos muito bem escrito é como se eu também estivesse fisicamente nessa viagem! Parabéns Marcio!!!
Muito obrigado, querida amiga Vanilda.
Excelente! Me transportei para o sul de Portugal!