Morte e vida das mulheres
São tantas as teorias lançadas sobre o gênero feminino que muitos não suportam mais o assunto e até se arrepiam com a mesmice dos argumentos, muitas vezes rasos.
Por outro lado, o assédio de toda natureza, as ameaças, abusos e crimes, são cada vez mais presentes no cotidiano das mulheres. Realidade nua e crua que os desgastados debates não conseguem reverter. Antes havia a premissa de que a denúncia e a exposição do agressor eram fundamentais para estancar a escalada de violência, mas as estatísticas mostram o contrário.
Artigos de ativistas dos direitos das mulheres, livros, novelas e a mídia global buscam uma mimese do mundo real sem de fato interferir na diminuição das agressões, quaisquer que sejam elas. Com boas intenções, definitivamente está provado, não se constrói um mundo perfeito.
Comecei a estudar e pesquisar sobre mulheres e as circunstâncias que as envolviam durante e depois da Segunda Grande Guerra Mundial. Eram figuras femininas conduzidas dentro de uma ortodoxia para se casar, cuidar da casa, do marido e dos filhos. E brigavam para serem reconhecidas e respeitadas no desempenho desse papel.
Conheci mulheres forjadas na adversidade. Umas lutaram em conflitos em defesa de seus países, outras sofreram abusos de guerras, dos cônjuges, das próprias famílias. E há também aquelas que não foram devidamente contempladas em suas heranças ou não conseguiram ser sucessoras. Profissionais e mães exemplares. Mulheres religiosas, ativistas, libertinas até. Todas me surpreenderam.
Mergulhada no assunto, acabei entendendo que atualmente o feminismo está sendo “passado a limpo” por todas as mulheres, afinal só a nós cabe essa tarefa. Temos a capacidade, a autoridade e legitimidade para contar essa nova versão da história.
Desde a religiosidade oriental ao cristianismo ocidental, a mulher vem buscando saber quem é ela e qual o seu valor nesse emaranhado de leis e costumes. Esse papel de traçar a identidade da mulher era desempenhado por homens durante anos, o que nos fez acreditar que éramos o espelho do “modus vivendi” masculino.
E fica a pergunta: será que tínhamos nosso próprio modo de viver ou estávamos buscando identidade num mundo que não era o nosso? Ou: as mulheres desempenharam dois papéis naquele tempo? Um de mulher e outro de homem? Existe a história que foi contada e outra que foi vivenciada. Uma cheia de vitórias, outra repleta de medo e vergonha.
Num mundo em guerra, os dois se perdiam, homens e mulheres. E ambos buscavam seu lugar na humanidade. Porém, na visão da mulher, num conflito grotesco como foi a Segunda Grande Guerra, elas expressavam seus sentimentos, enquanto os homens escreviam a história de fracassos e sucessos.
Naquelas histórias não falaram das mães que eram obrigadas a matar os próprios filhos para não despertar a atenção dos inimigos pelo choro de fome e medo; não contaram das mulheres que paravam de menstruar por meses para se protegerem. Foi tortura de alma, de essência.
Ao término da guerra, ambos necessitavam se sentir humanos novamente. As mulheres queriam voltar a ser mulheres, através do resgate da natureza feminina. Precisavam usufruir dessa virtude. Mas para isso, os homens deveriam ser curados dos traumas para reaprenderem a flertar, cortejar, namorar.
Noventa anos depois, estamos, ainda, buscando a nossa essência. Observo, com grata satisfação que, como as raízes de uma árvore longeva, quando decepada, as mulheres estão emergindo para uma nova vida e suas filhas se alimentam dessa seiva. O estopim dourado e a fonte profunda de energia vital nunca serão extintos.
Se no passado as mulheres foram arrancadas a fórceps de seu habitat, hoje estão renascendo com vigor. Lá atrás elas jogaram longe as sementes para que germinassem em terras férteis.
Essa sou eu e muitas outras que buscamos o nosso trunfo e triunfo. Vida longa às “árvores e ao estopim dourado” de Clarissa Pincola Estés.
Texto de Hulda Morais, advogada e pecuarista
Foto de Mike Murray