quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Na Espanha a 300 quilômetros por hora

 

Marcio Fernandes- Rigorosamente em ponto, o trem Madrid-Barcelona deixou a Estação Atocha na capital espanhola. Foi lá que, em 11 março de 2004, aconteceu um ataque terrorista promovido pela Al-Qaeda, que matou 193 pessoas, feriu mais de 1,8 mil civis e mudou as regras de segurança ferroviária na Espanha e em toda a Europa.

 

Mesmo na classe econômica, a composição é super confortável, limpa e conta com acesso gratuito à internet, além de sistema audiovisual de entretenimento. A bordo, a comunicação é feita em castelhano, catalão e  inglês. Há vagão-cafeteria para socorrer os sedentos e famintos embarcados, inclusive com vinho tinto.

 

Logo após percorrer 30 minutos de viagem, o motorneiro acelera a locomotiva e alcança 295 km/h. A velocidade é tanta que me transporto no movimento do Prelúdio em C Menor de Bach. A sensação é de flutuar em linha reta sobre um solo plano e completamente desimpedido de qualquer obstáculo. Por ter o sistema de potência alimentado por eletricidade, o trem é silencioso e possui baixa taxa de emissão de carbono.

 

Até os ruidosos espanhóis, que no geral não têm controle de decibéis em falatório interminável, logo caíram no sono. Agora impera calmaria no vagão número 5. Não é o caso, mas há algum tempo está disponível na Europa espaços nos quais, por uns trocados de euro a mais, você adquire o direito de viajar no silêncio. Por lá é terminantemente proibido o comportamento maloqueiro de ouvir essas gravações de WhatsApp, entre outros inconvenientes.

 

 

A ligação de trem de alta velocidade entre Madrid-Barcelona foi a segunda linha deste padrão da Espanha, que hoje conta com a maior rede da Europa. São 3,1 mil quilômetros de extensão.  A depender do horário, o trajeto de 620 km pode ser percorrido em pouco menos de três horas. Metade do tempo demandado por uma viagem de automóvel mesmo, nas super qualificadas autopistas locais.

 

Como foi planejado e executado, a linha hoje compreende 749 quilômetros e vai até  a fronteira com a França, de onde é possível seguir por ferrovia para qualquer lugar do Norte da Europa ou Itália. O trem atravessa quatro Comunidades Autônomas espanholas (Madrid, Castilha-La Mancha, Aragão e Catalunha) e passa por extensos túneis e pontes.

 

Trata-se de uma obra complexa, realizada com a usual competência da engenharia espanhola, coisa que o Brasil desconhece. Talvez nem tanto por falta de capacidade técnica, mas com certeza motivada no engenhoso sistema de corrupção que impõe ao País obras com enorme sobrepreço, baixíssima qualidade e longa espera.

 

À medida em que a noite cai, por volta das 18 horas, densa bruma cobre a paisagem aragonesa logo após a composição deixar Saragoza. O trem segue o seu destino e cerca  de 20 minutos após passar por Lérida já estava em Tarragona, onde começa a margear o Mar Mediterrâneo e dele não sai mais até chegar a Barcelona.

 

Nina, depois de cinco minutos de viagem, já perguntava se estava chegando a Barcelona. Por conta do movimento do trem e do cumprimento de umas regras de comportamento caiu no colo da mãe em sono profundo. Eu, como no começo da viagem, ouço Road Trippin’ do Red Hot Chilli Peppers. Caraca, o lindo acorde de cordas me transporta do trem a 300 por hora para algum lugar que nem deveria sonhar.

“Just a mirror for the sun

These smiling eyes are just a mirror for…”

 

Texto e fotografias Marcio Fernandes

 

Este post foi escrito por: Marcio Fernandes

As opiniões emitidas nos textos dos colaboradores não refletem necessariamente, a opinião da revista eletrônica.

4 comentários em "Na Espanha a 300 quilômetros por hora"

  • Arthur Rezende disse:

    Experiência incrível de um viajante-escritor, nos transportando com ele, através de seus escritos. Limpos e certeiros. Tão objetivos que dá vontade de viver por lá nessa imensidão moderna primeiro-mundista.

  • Américo Vasconcelos disse:

    Sao muito bons estas locomotivas de alta velocidade. Tive o prazer de ter uma experiência destas com o TGV Francês de Paris a Lucerna. Isso foi no logínquo, 1989. Há 35 anos atrás. E pensar que até hoje o Brasil não tem algo parecido.

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