O amor está em toda parte na arte urbana de Buenos Aires
Marcio Fernandes – A arte de rua é uma instituição do patrimônio cultural da capital argentina. Mesmo sem o status do tango ou do futebol, a expressão estética é reconhecida pelo ordenamento legal do país, remonta o começo do século 20 e agrega um valor criativo impressionante. Democrática por natureza, ela está espalhada pela cidade e tem no bairro de Palermo a sua mais completa tradução.
Na primeira fase, por volta de 1930, até os anos 1970, a arte urbana foi um meio de expressão política da classe trabalhadora. De roupagem essencialmente engajada no pensamento de libertação obreira da América Latina, naquele tempo ela carregava nas tintas o ideal do pensamento marxista.
Durante a ditadura militar (1976-1983), a expressão artística foi banida das ruas e considerada uma atividade subversiva e danosa aos valores institucionais de um regime pleno de obscurantismo e repressão sanguinária. No entanto, tão logo os generais foram chutados do poder, ela ressurgiu das cinzas para voltar a colorir Buenos Aires com o conceito de liberdade.
Para se ter noção da importância cultural da arte que habita as paredes da cidade, em 2001, quando a Argentina mergulhou na pior crise econômica e política da história, coube ao movimento estético fazer o caminho inverso e devolver ao portenho a alegria de viver com as cores reluzentes das obras de arte em grande escala métrica e muita irreverência.
Apesar de cumprir uma função social pedagógica e ser instruída de conteúdo político, a arte urbana é essencialmente debochada e desobediente de qualquer padrão estético que tente enquadrá-la. Ela é abusada, guerrilheira, mau comportada e muito inspiradora da liberdade criativa. Tem forte conexão com o grafite, mas dele se desvinculou para fazer arte pura, com extraordinária conjunção do desenho e da palavra muito bem articulados.
É muito difícil defini-la, pois a arte de rua tem a propriedade inata de ser não alinhada a qualquer movimento estético. O melhor é percorrer as ruas de Buenos Aires a apreciar sua capacidade de inebriar o olhar e encher de alma colorida o coração. Se há um princípio que a orienta, ele se expressa na ideia de que a parede branca não diz nada, tradução livre de “White walls say nothing”, título de documentário que narra a história da expressão artística na capital argentina.
Ela é simplesmente linda. Mostra toda a irreverência autoexplicativa da Frida Kahlo à motociclista montada em máquina chamada Deus. Saúda a paixão argentina pelo futebol ao mesmo tempo em que consagra Jorge Luís Borges na viela onde o escritor foi criado. Livre por natureza, ela tem lugar em vários espaços do ambiente urbano como muros, fachadas de estabelecimentos comerciais, calçadas, viadutos e estações de metrô. Se expressa na pintura, no cartaz, no anúncio publicitário e em qualquer outro modo em que couber a imaginação.
A arte urbana de Buenos Aires é comovente por trazer o elemento poético para cenário das ruas da cidade como suporte a toda forma válida de amor. Assim, um poeta, que não saberia dizer o nome, eternizou na parede um delicioso desejo: “Te peço 5 minutos para abraçarmos, recarregarmos as energias e depois seguir”. Outro também para mim desconhecido foi mais longe e disse tudo em uma frase: “Tenho meus latidos a serviço do seu coração”.
Marcio Fernandes: Texto e fotografia
Belíssimo panorama, nobre Márcio. Da próxima vez que por lá estiver, e por conta desse relato, talvez me fique mais aguçada a curiosidade sobre o tema. Tá fazendo um belo trabalho. Bons passeios. Forte abraço.
Muito obrigado, querido amigo. Buenos Aires é tudo de bom.
Lindo, Márcio. Estivemos recentemente em Valparaíso, Chile, e a chamei de cidade dos murais. Nas suas paredes, a história é contada com arte e poesia…
Muito obrigado, querida Maria Amélia.
Que belo texto, Márcio!
Um convite para visitar Buenos Aires.
Muito obrigado, prezado amigo Flávio e viva Buenos Aires.