segunda-feira, 16 de setembro de 2024

O boêmio que fugiu do holocausto

 

Marcio Fernandes  —  O empresário, violinista e amante da boemia, Nicolau Sulzbeck, 90 anos, foi pego de surpresa tomando umas no Bar Glória, Goiânia (GO), para entrevista ao ByBritzNews. Nascido na Hungria e de origem judaica, chegou ao Brasil aos sete anos com o pai e a mãe em fuga do iminente Holocausto promovido pelo nazismo antes e durante a Segunda-Guerra Mundial. Músico qualificado, Nicolau já tocou com os grandes nomes da música brasileira, não para de realizar projetos artísticos e, claro, saudar com muita vitalidade a vida boêmia partilhada com a mulher, Maria Inês Sulzbeck, 83 anos. Nicolau Sulzbeck é figura singular como deve ser um uberlandense e, acima de tudo, um bon vivant com muitas histórias para contar.

 

Marcelo Fernandes de MeloO senhor é de origem húngaro-judaica?
Nicolau Sulzbeck – Eu nasci na Hungria.

 

Marcio FernandesE seu pai era judeu?
Nicolau Sulzbeck – Judeu-Húngaro. Família toda húngara.

 

Marcio FernandesMas o senhor não é um judeu religioso?
Nicolau Sulzbeck – Me orgulho muito de pertencer à raça dos meus avós. Eu não tinha como ser judeu religioso estudando em colégio católico e sem a presença da sinagoga. Eu fui batizado na igreja católica. Meu pai me disse que não existia possibilidade de eu praticar o judaísmo.

 

Marcio FernandesPor que e quando o pai do senhor decidiu vir para o Brasil?
Nicolau Sulzbeck – Ele recebeu uma carta de um dos irmãos que morava no Brasil. “Pega sua mulher, seu filho, não pergunta nada e vem embora.” Chegamos no Brasil em maio de 1939. Em setembro estourou a guerra.

 

Marcio Fernandes E como foi sua iniciação musical. É coisa de família?
Nicolau Sulzbeck – Aí é o seguinte! Nós chegamos no Brasil. Moramos um ano em São Paulo. Depois minha mãe não se adaptou. Ninguém falava a língua. A cidade era muito grande. Minha família era da zona rural da Hungria. Meu pai foi trabalhar na padaria. Acordava às 3 horas da manhã para trabalhar. E aí minha mãe falou: “Vamos dar um jeito de ir para o interior.” Tivemos a sorte de encontrar trabalho no melhor restaurante de Araxá (MG). Eu fui para o grupo escolar e depois para o Colégio Dom Bosco. Lá tinha um padre que era músico e tinha uma banda. Eu aprendi tudo com ele, inclusive a tocar em orquestra. Eu nunca fiz conservatório.

 

Marcelo Fernandes de MeloCom quantos anos o senhor ganhou o primeiro violino?
Nicolau Sulzbeck – Com três anos. Vinha avó me deu um violino pequenininho. Era só uma brincadeira. Como aqui, a criança ganha de presente um cavaquinho. Na Hungria é o violino.

 

 

Marcelo Fernandes de MeloEu gostaria que o senhor contasse da época glamourosa de Uberlândia (MG). O Bar da Mineira, o Garibaldi, o restaurante do terraço do Hotel Presidente…
Nicolau Sulzbeck – O Cabana. Olha, não tem uma cidade melhor no Brasil, depois das capitais, do que Uberlândia. A cidade é muito bem-arrumada. O pessoal de Uberlândia é muito caprichoso com as coisas. Não tem porque a gente não ter muito orgulho de morar na cidade. Como eu, mais de 60% dos uberlandenses não nasceram lá. Eu vivo lá há 73 anos. Por exemplo, no Bar da Mineira, eu conheci a minha esposa. Nove meses depois estávamos casados. Quando o Garibaldi fechou teve banda de música. Todo mundo nas mesas chorando. Foi um evento fora do comum. O Cabana era destino obrigatório no fim de semana para encontrar os amigos. Sem falar do Praia Clube.

 

Marcelo Fernandes de MeloEu ia mencionar o Praia. Eu não conheço um clube nem parecido…
Nicolau Sulzbeck – Sem falsa modéstia, eu não acredito que exista no Brasil um clube como o Praia. Quando os meus filhos estavam estudando em São Paulo, eu fui sócio do Portal do Morumbi. É um clube fantástico, mas não chega aos pés do Praia Clube. Por quê? O Praia tem um rio que passa dentro dele!

 

Marcelo Fernandes de MeloComo o senhor explica o sucesso das suas apresentações no violino?
Nicolau Sulzbeck – É tudo uma questão de escolher o repertório. O músico não tem de tocar só o que ele gosta. Tem de tocar o que todo mundo gosta. Você pode pegar meus sete CD’s e dois DVD’s. É um repertório fantástico.

 

Marcio FernandesCom quem você já tocou?
Nicolau Sulzbeck – Olha, Toquinho, Ângela Maria, Rosemary, Cauby Peixoto, Peri Ribeiro, Baden Powell, Gregório de Barrios. Trabalhei com o Miele.

 

Marcelo Fernandes de MeloO senhor tocou o Nelson Gonçalves?
Nicolau Sulzbeck – Não! Eu estive com ele em Uberlândia, quando ele fez uma apresentação. No trato pessoal, o Nelson Gonçalves era muito antipático.

 

Marcio FernandesA música te dá mais prazer ou dinheiro?
Nicolau Sulzbeck – Muito mais prazer. Esse negócio de show é relativo. O que dá algum dinheiro são os projetos via Lei Rouanet e, em Goiás, a Lei Goyazes.

 

Marcio FernandesQuantos anos como empresário?
Nicolau Sulzbeck – 60 anos. Comecei com uma loja de materiais elétricos e depois montei uma fábrica de luminosos. A Neon Uberlândia.

 

Marcelo Fernandes de MeloO senhor foi amigo do Pelé…
Nicolau Sulzbeck – Fomos amigos mesmo. De muita boemia.O que aconteceu com o Pelé foi que, depois que ele começou os casamentos, cada mulher tirava ele dos amigos. Por isso que o Pelé morreu sem amigos.

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Este post foi escrito por: Marcio Fernandes

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5 comentários em "O boêmio que fugiu do holocausto"

  • Avatar Rosa Donzelli disse:

    Amo NICOLAU SULZBECK ! Somos amigos há décadas ! Temos várias histórias juntos ! A filha dele e eu somos irmãs de coração e parabéns pela entrevista ! Me deu tanta saudade que estou pensando em ir visita-lo.

  • Avatar Noemy Faria disse:

    Parabéns pela deliciosa entrevista.
    Curiosidade; Quem é Marcelo Fernandes de Melo?

  • Avatar JOSÉ HUMBERTO NUNES NOGUEIRA disse:

    Gostei de saber mais sobre Nicolau Sulzbeck. Já o conhecia de nome. Essa diversidade cultural é o que mais enriquece o povo brasileiro. E me fez lembrar de momentos de minha adolescência com meu pai no Garibaldi e tempos depois no Praia Clube, quando eu estudava na UFU. Parabéns pela entrevista.

  • Avatar MARCIO FERNANDES disse:

    Prezado José Humberto, muito obrigado! Realmente, Uberlândia é uma cidade especial!

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