quarta-feira, 18 de setembro de 2024

O caçador de corujas

 

De 1974 a 2010, ele corria atrás de noivos, aniversariantes e colunáveis empunhando sua pesada máquina fotográfica analógica, sempre de última geração. Daí eram horas de criterioso processo de revelação em laboratório bem equipado. E a eternização de momentos especiais ficava exatamente perfeita nas mãos do talentoso fotógrafo Nunes D´Acosta.

 

Mas chegou a tecnologia e quebrou o encanto do trabalho artesanal com as fotos, que passaram a ser efêmeras, só valendo até que um novo filtro é inventado – o que, na era digital, acontece praticamente todo dia. Manipular fotografias, definitivamente não é com ele. “Hoje encomendam álbum de um evento qualquer e nunca terminam de tanta interferência; a bagagem do verdadeiro fotógrafo passou a valer nada; qualquer um pode fazer”, desabafa.

 

Na busca por se reinventar, Nunes resgatou da infância uma paixão que lhe permitiu continuar seu ofício sem se prostituir digitalmente: fotografar pássaros. Desfez-se de seu bem montado estúdio, construiu uma casa e um espaço de eventos na mata intocada nas proximidades do Campus da UFG – sem derrubar uma árvore, diga-se –, um santuário de aves nativas e migratórias. De lá, fotografa e cataloga as espécies; por uma, em especial, nutre respeito e admiração: a coruja. Sabia que no Brasil existem 22 espécies de corujas e só no município de Goiânia Nunes já inventariou e fotografou 14 delas? (Britz Lopes)

 

 

Desmistificando as implacáveis caçadoras

 

Medo, sabedoria, morte, espiritualidade, crenças. São muitas as vertentes associadas à figura da coruja, quase todas ligadas ao inexplicável. Porém, o que já foi considerado um elemento de mau agouro tem mudado nos últimos séculos nas culturas ocidentais. Aas corujas despertam fascínio, temor e admiração. Se considerarmos as espécies animais, poucas são tão controversas, gerando tantas crenças e contradições. São temidas e veneradas, desprezadas ou admiradas; tidas como sábias ou tolas.

 

Remetem à bruxaria e à cura. Porta vozes do tempo, precursoras da vida ou da morte. E esse emaranhando de especulação advêm, principalmente, das tradições orais e folclóricas, passadas de geração em geração e que acabam por influenciar ainda hoje no conceito sobre esse animal.

 

 

Necessário se faz desmistificar esse pássaro, que embora remetendo, em alguns casos, a crenças e indicadores culturais, pode revelar bem mais sobre determinados quesitos, como por exemplo, o indicativo de habitats nativos escassos. A não imposição de visões ocidentalizadas sobre a coruja, assim como assimilação não preconceituosa de sua figura cultural, é importante para a elaboração de políticas de conservação das culturas em vários pontos do planeta.

 

Enquanto se adotam visões preconceituosas desse bicho deixa-se de atentar para a realidade da sobrevivência de tal espécie. Por exemplo, a despeito da mistificação, alguém questiona que a coruja, à noite, além de assustar, tem de conseguir comida? Pode não ser de conhecimento geral, mas esse pássaro costuma caçar suas presas longe de onde se empoleira durante os dias. São predadoras extremamente eficientes, devido às mutações de adaptação sofridas ao longo da evolução.

 

 

O silêncio como aliado – Entre os principais diferenciais que fazem da coruja uma caçadora implacável está a visão aguçada, possibilitando que localize o objeto de sua procura ainda que em noites fechadas – algumas espécies podem, inclusive, caçar totalmente no escuro, localizando suas presas unicamente pelas ondas sonoras para ter uma empreitada de sucesso. A audição sensível e direcional ajuda a localizar a presa, mesmo que ela tente se esconder.

 

Pesa em favor da coruja, ainda, o fato de ela ter um voo silencioso, propiciado por penas especiais que abafam o som das batidas das asas. Então, ela age de forma furtiva, surpreendendo suas vítimas. O silêncio permite também que ela ouça, ainda no ar, os barulhos de sua presa em solo. A maioria das espécies caça nos chamados poleiros, galhos baixos, tocos ou postes de cercas. Para as corujas, o momento oportuno é quando a presa se empoleira. É quando a presa está distraída e cansada que elas efetuam um mergulho mortal, mantendo as asas abertas, com as garras projetadas à frente.

 

 

Existem, portanto, espécies que optam por plainar sobre a vítima, mas longe do alcance da visão, antes de efetuar o mergulho fatal sobre ela. Pode acontecer, ainda, de a coruja literalmente “cair” sobre o alvo, surpreendendo-o com a abertura das asas no último momento.

 

Existem ainda algumas espécies que preferem realizar voos aquartelados, vasculhando o ambiente em busca da refeição mais adequada. Quando um alvo é localizado, a coruja voa em sua direção, mantendo-se alinhada a ele até o momento do ataque final. Ela mantém a cabeça arriada, projetando os pés para frente, com garras abertas, sendo que duas permanecem apontadas para trás e duas vão para frente. A força do impacto geralmente é suficiente para atordoar a presa, que é então finalizada com um estalo do bico.

 

 

As pescadoras – Embora a maioria prefira caçar em poleiros, algumas corujas podem ter a esperteza de adequar o método da perseguição à presa em questão. Podem, inclusive, em alguns casos, caçar durantes voos, como no caso de insetos e pássaros de pequeno porte, que são induzidos pela caçadora a saírem de árvores e arbustos. Existem ainda as pescadoras, que deslizam em voos baixos sobre as águas, pegando peixes de forma certeira. A pesca pode se dar ainda com a coruja pousando em galho ou tronco à margem de rios e córregos, se agarrando a todo e qualquer peixe que por ali passe. Algumas espécies, mais ousadas, chegam a entrar na água para perseguir não só peixes, mas também, cobras d’água, lagostins ou sapos.

 

As corujas são ainda aves previdentes, sendo que em tempos de fartura podem estocar seus alimentos para os tempos mais difíceis. O esconderijo pode ser no próprio ninho ou em buracos e forquilhas nas árvores. Espécies como a coruja-das-torres e o coburé também acomodam suas presas mortas dentro de ocos de árvores e nas bordas dos ninhos. Assim, acabam contribuindo com a alimentação de pequenos gaviões e outros predadores diurnos.

 

Enfim, as corujas são aves de rapina, o que significa que elas se alimentam de outros seres vivos, que caçam usando habilidades especiais. Isso não é certo ou errado, apenas natural, com habilidades únicas que as distinguem de qualquer outra criatura. Por suas ações, são especiais para o equilíbrio da natureza e, embora desperte mitos, precisam ser melhor estudadas, o que vem acontecendo nos últimos tempos. (Nunes D´Acosta)

 

Com Nunes D´Acosta (texto e fotos)

 

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Este post foi escrito por: Britz Lopes

As opiniões emitidas nos textos dos colaboradores não refletem necessariamente, a opinião da revista eletrônica.

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