segunda-feira, 16 de setembro de 2024

O encontro com a paz em tempo de guerra

 

Britz Lopes – O dia era 31. O mês, dezembro, o ano, 2009. O local: Israel. A situação era de pleno conflito entre árabes e judeus. Acompanhávamos – eu e Marcio Fernandes – o jornalista Herbert Moraes, nosso anfitrião, na cobertura da guerra. Naquela tarde fomos a Sderot, ao sul, bem perto da Faixa de Gaza, ver os estragos causados por uma bomba que recém havia caído. Era uma cidade fantasma.

 

Serge, o motorista, estacionou a van na frente da casa bombardeada. Herbert entrou para fazer a entrevista com o proprietário, um rabino, e Marcio foi atrás para fotografar. Eu fiquei ali na rua a observar a tristeza do vazio. O combinado era procurar um abrigo ou se jogar sob o carro caso soasse o alarme. E ele ecoou silêncio adentro. Gelei. Não conseguiria entrar debaixo da viatura – não é do meu feitio e meu casaco era novo. Então, tentei correr até o abrigo mais próximo, a uns 200 metros de distância, embora as pernas não obedecessem.

 

 

E a bomba caiu a dois quarteirões dali, antes que eu pudesse alcançar o tal abrigo. Escapei. A turma toda voltou para a van e fomos ver o resultado de mais um ataque. Na frente de um sobrado semi destruído, um homem chorava. Se conteve um pouco para dar entrevista; aproveitei e pedi para usar seu banheiro. O nervoso me dá vontade de fazer xixi. Ele disse que no primeiro andar havia um inteiro.

 

Subi rápido as escadas com pernas ainda completamente bambas, me aliviei e quando ia começar a descer a escadaria, três soldados israelenses com armas em punho subiam para uma varredura. Ajoelhei, falei com a língua enrolada que era jornalista brasileira e eles seguiram com a operação. Tremendo de susto, nem sei como alcancei o andar térreo, onde os escombros ainda despencavam das paredes. A vontade de fazer xixi voltou, mas pegamos o rumo de volta a Tel Aviv.

 

 

Mais ou menos refeitos, mas com taquicardia forte, nos arrumamos para a virada do ano em Jerusalém. A ceia foi no apartamento de uma correspondente da Reuters, com pernil de porco clandestino. Lá pelas 4 da manhã, saímos para um passeio entre as muralhas enquanto a cidade santa ainda dormia – o ano novo no calendário judaico, Rosh Hashaná, é comemorado em 6 de setembro.

 

Fizemos a Via Crucis, formos ao Muro das Lamentações, ao Santo Sepulcro, cortamos as ruelas do mercado e paramos em ponto estratégico para ver o nascer do sol e tomar a última garrafa de champanhe. Naquele momento, meu coração desacelerou, invadido por um sentimento de paz que nunca havia experimentado. O silêncio foi quebrado pelo chamamento das mesquitas, uma sinfonia que toca fundo na alma e faz brotar lágrimas involuntárias.

 

 

Fotos: Marcio Fernandes

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Este post foi escrito por: Britz Lopes

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