segunda-feira, 16 de setembro de 2024

O idiota sem fronteira no país do “tem, mas acabou”

 

Marcio Fernandes – O recurso do manual de autoajuda e do mentalismo não nasceu na internet. Já na década de 1930 havia autores encarregados de suprir as fraquezas humanas por intermédio do desenvolvimento das capacidades ocultas do indivíduo.

 

Obras notáveis neste sentido foram publicadas a exemplo de “Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas” e “O Poder do Pensamento Positivo”.

 

A diferença entre o pré e o pós-internet é que antes o elemento carente de autoestima era obrigado a ler alguma coisa nos livros. Hoje, o acesso não demanda esforço intelectual superior ao ingresso em uma rede social.

 

Eu não sei exatamente qual é o serviço prestado por um influencer, pois jamais conheci alguém da espécie, seja ao vivo seja no ofício de camelô digital de ilusões.

 

A única percepção real que tenho desses caras é de que se tratam de indivíduos de enorme habilidade enganatória e extraordinária capacidade de arrumar confusão. Na verdade, é tênue a linha que separa as duas condutas.

 

Basta fazer uma leitura cotidiana do noticiário para observar um influencer envolvido em todo tipo de atividade fraudulenta e até participação em organização criminosa.Todo dia aparece um desses vigaristas a espoliar incautos, abusar da boa-fé de seguidores, vender uma rifa vencida ou cometer crimes graves.

 

A evidência destes indivíduos nas páginas policiais se deve ao preço da fama, normal a quem se expõe publicamente, e à quantidade de malandros desta natureza atuando na praça.

 

Como se trata de uma profissão não regulamentada pelo Ministério do Trabalho, não há parâmetro ético para balizar a atividade econômica.

 

Se por um lado isto é positivo, por outro, a liberdade de agir pode fazer com que o influencer seja exposto às armadilhas da própria inteligência artificial.

 

Não podemos culpá-lo instantaneamente por pretender ser prefeito, indicar o caminho da prosperidade em dez lições ou negociar a benção particular de Deus. Sempre houve na história práticas e indivíduos a vender atributos messiânicos ou atalhos para a vida eterna.

 

A própria santa igreja católica praticava a simonia até que Martinho Lutero desmascarou o pessoal de Roma e fundou uma religião que hoje faz a mesma picaretagem no modo evangélico-pentecostal.

 

Na verdade, compra influência de um influencer quem quer. Imagino que esses caras jogam parado na Internet e cai na rede quem assim procura o embusteiro.

 

É como o jogo de azar. Vai ao cassino quem tem dinheiro para torrar em uma roleta e ninguém, nem mesmo o Estado ou o líder religioso, tem alguma coisa a ver com isso. É parte do livre-arbítrio.

 

Presumo que ninguém seja influencer de si mesmo, pois aí seria caminho aberto ao suicídio. Se o cara alcança milhões de seguidores é porque há número dobrado de retardados à procura de ser influenciado. Se antes da internet havia limite geográfico à atuação do guia bobo, hoje este mundo não tem limite.

 

Como o país é subdesenvolvido, igualmente é no terreno raso do atraso que se processa a relação entre influenciador e influenciado. Não poderia ser diferente, pois no Brasil a ignorância é sempre relativizada.

 

Desconheço outro lugar no qual exista a categoria da escolaridade superior incompleta. Só aqui é possível alguém ser um tipo liberal-conservador. Também é criação brasileira a churrascaria com buffet de sushi.

 

Odeio andar de carro e decidi nunca mais dirigir um automóvel. Mesmo assim, saio a pé às ruas atrás desses anúncios de venda de carro completo, menos ar.

 

No país do “tem, mas acabou”, a idiotice não tem fronteira. Talvez por isso qualquer um possa influenciar as pessoas a vencer na vida ou superar as adversidades bastando usar o poder do pensamento positivo emprestado de influencer regiamente remunerado.

 

Marcio Fernandes é jornalista

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Este post foi escrito por: Marcio Fernandes

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