domingo, 8 de setembro de 2024

O poder de um turbante

 

Renata Abalém  _  Incomparável! Assim é Janete Clair, patronesse da Cadeira de n. 18 desta Academia, que tenho a honra de ocupar. Quando me coube essa audácia, fazia uma tímida ideia do alcance da obra daquela que foi chamada por Carlos Drumond de Andrade de “A Usineira de Sonhos” e por outros de “Maga das Oito” ou “Nossa Senhora das Oito”, – em referência ao horário das novelas que a consagrou. Mas todas as minhas impressões sobre a obra de Janete caíram por terra quando tive a oportunidade de me debruçar, ao menos superficialmente, sobre as personagens que ela construiu na década de 70, sem internet e sem muito suporte de pesquisa.

 

Ouso dizer que é coisa de gênio. Ouso dizer que as suas histórias impulsionaram a sociedade brasileira a saltar anos em poucos capítulos. Ouso dizer que os traços de personalidade dos seus protagonistas é de uma singularidade que alcança os “clássicos”.

 

E é sobre isso. Personagens. Aqueles que nos inspiram, dos que sentimos saudades, os que amamos e odiamos. Janete criou Carlão, Herculanos, Laras e Dianas, Joãos como ninguém. Dela, veio o primeiro “quem matou”? E é para lá que vamos: “Quem matou Salomão Hayala?” – Ou melhor, o recorte que faço nesse texto é da novela “O Astro”, cujo protagonista, Herculano Quintanilha, começa seu arco histórico como vidente de churrascaria, usando um sensacional turbante azul. Herculano, na minha mente, será sempre aquele representado por Francisco Cuoco em 1977, de passado misterioso e impreciso, que, usando de um carisma metafísico e sobrenatural, se torna a pessoa central em uma família de descendentes de libaneses e passa a opinar no futuro das empresas desse clã. Não é pouca coisa. Ora, desde que o mundo é mundo, o charlatanismo é atraente. A vidência, a cartomancia, a astrologia, a sensitividade, são substratos que nos catapultam para as respostas que não podemos dar. Nós estamos cheios de exemplos na história humana. Alçado à conselheiro pessoal e também empresarial do principal herdeiro do grupo econômico, Herculano começa a fraudar os negócios e, descoberto, foge para um país da América Latina, onde se torna braço direito de um presidente ditador, servindo-o como guru. Assim, pergunto e respondo ao mesmo tempo: de que fonte inspiradora bebeu Janete Clair para compor o Professor Herculano Quintanilha? O final da personagem em país latino, nos faz lembrar do “El Brujo”, o vidente que, ao ver o argentino Perón morto no chão, gritava sem parar: – “Faraó,  meu Faraó!.. Ressuscita!

 

Sem sucesso na ressurreição, enfia na cabeça da primeira dama – Isabelita, que iria transferir para seu corpo o espírito de Evita, sim… pasmem! Em cerimônias noturnas de cemitério.

 

Para além mar, a inspiração de Janete Clair bebe de outro charlatão, porque entendam: a imaginação de “Jenete,” como foi batizada pelo pai libanês, não tinha limites.. falo do também guru divinatório Rasputim que de igual maneira influenciava Nicolau II, o último Imperador da Rússia.

 

Com turbante ou sem, os guias espirituais têm seu lugar na história, seja ela dos livros acadêmicos ou das telas de TV.

 

É o verdadeiro poder aquele que influencia o poder.

 

Em “O Astro”, a “Maga” criou um suspense policial novelesco. O mistério sobre a morte de Salomão Hayala durou mais de 90 capítulos, mais de cinco meses, tornando-se a primeira novela do gênero na teledramaturgia brasileira e de padrão exportação.

 

Dia 16 de novembro foi aniversário da morte de Janete. 40 anos. Ainda hoje tão atual como são as histórias: imortais.

 

Eu, da cadeira 18, só posso pedir aos céus que me privilegiem com enredos tão sensacionais, mas dispenso os cemitérios e seus rituais.

 

Texto publicado na Revista Libanus, da Academia Líbano-Brasileira de Letras  Artes e Ciência

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Este post foi escrito por: Renata Abalém

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