O velejador que faz vinhos
Britz Lopes – A primeira referência registrada da Quinta do Monte Travesso, localizada em Tabuaço, na região portuguesa do Douro, data de 1896. De lá pra cá, trilhou o caminho das sucessões até chegar à quinta geração da família Nápoles, em 1931. E desde 1996 está sob o comando de Bernardo Maria Freire e Albuquerque Nápoles de Carvalho, que lá produz e comercializa vinho DOC Douro e azeite com a marca da Quinta. Foi ele também que abriu as portas da propriedade ao enoturismo de alto nível que lhe conferiu o prêmio Best of Wine Tourism 2019 – Enoturismo Sustentável. Um passeio imperdível para um mergulho da história do local e na produção de vinhos.
Bernardo Nápoles tem muitos amigos no Brasil. Em Goiânia, divide taça de seus bons Travessos com o agropecuarista Sérgio Azevedo Borges e sua mulher, a psicóloga Rosa Donzelli, além do empresário José Pedro e da chef de cozinha Edvânia Nogueira, que vão recebê-lo entre os dias 5 e 11 de junho.
Além da vitivinicultura, a grande paixão de Bernardo é velejar: começou aos 11 anos na classe optimist, foi campeão em várias modalidades e seu sonho é fazer a volta ao mundo em seu veleiro. BybritzNews entrevistou o simpático senhor da Quinta do Monte Travesso. Ele falou sobre as particularidades de sua produção, derrubou mitos sobre harmonização e disse acreditar que ainda falta muito para o avanço na produção de vinhos orgânicos. Com quem ele dividiria uma garrafa? Com Julia Roberts, sua atriz preferida.
BBNewsEntrevista – O politicamente correto de algum modo alterou o comportamento de se beber um vinho?
Bernardo Nápoles – Sim, claramente! Dou-lhe dois exemplos de que me recordo serem prática corrente há alguns anos e que mudaram completamente. Era comum “chambrear” o vinho tinto junto a uma lareira para subir a temperatura, quando hoje temos a certeza que o vinho tinto demonstra todo o seu potencial se for servido a uma temperatura menor (16º a 17º). Outro. A ideia de que tinto só para carne e branco só para peixe é outro preconceito que está totalmente posto de lado. Há harmonizações que ficam perfeitas precisamente da forma oposta.
BBNewsEntrevista – Você consegue prever em quanto tempo o chamado vinho orgânico vai dominar a produção vinicultora da Europa?
Bernardo Nápoles – Acho que as empresas estão cada vez mais conscientes das alterações climáticas e empenhadas em diminuir ao máximo o seu impacto ambiental e em adotar medidas que mitiguem as consequências. No entanto, ao ponto de que vinhos 100% orgânicos dominem a produção vinícola Europeia penso que há ainda um grande percurso a fazer. Diria que rapidamente haverá o domínio de vinhos biológicos ou cada vez mais “amigos do ambiente”, mas totalmente orgânicos vai ser mais demorado.
BBNewsEntrevista – Ter a cultura do vinho no sangue, como o caso do português, faz toda diferença na hora de escolher e de se apreciar um vinho?
Bernardo Nápoles – Com certeza! Recebemos influências da nossa cultura vínica desde que nos iniciamos a apreciar esta bebida maravilhosa e saudável. A quantidade enorme de castas que são conhecidas em Portugal e as diferentes regiões dentro do país, produtores de vinhos de elevada qualidade, penso que contribuem para que na hora da escolha a complexidade do vinho tenha peso na decisão e obviamente o momento ou a harmonização para que se destina.
BBNewsEntrevista – No Brasil há entendimento geral de que um bom vinho custa caro. Até que ponto o preço determina a escolha de um bom vinho?
Bernardo Nápoles – Esta questão é muito interessante, complexa e levaria uma resposta grande, mas vou tentar abreviar. Infelizmente para nós produtores, há grandes vinhos no mercado a preços demasiado baixos (normalmente os outsiders do negócio, querem impor-se da pior forma, baixando preços!). Um produtor como eu, que vive exclusivamente deste negócio, tem obviamente que refletir no preço final, os altos custos de produção, aliados às baixas produções/hectare da região do Douro, pois se assim não for o negócio deixa de ser viável. No entanto procuro ter um preço justo, para ter rendimento, mas em simultâneo que seja acessível a um grande número de consumidores. Por outro lado, há produtores que fizeram o seu trabalho de marketing durante anos, muito bem feito (o exemplo dos franceses é o melhor) e têm preços de vinhos muito elevados, mas que se fizermos uma prova cega em comparação com vinhos portugueses, à venda por valores bastante inferiores, a qualidade dos vinhos franceses caros é frequentemente menor que a dos vinhos portugueses mais em conta. Em suma, o preço elevado não é sinónimo de um grande vinho.
BBNewsEntrevista – Muitos brasileiros observam o vinho como símbolo de status social. Não seria mais saudável tratá-lo com a simplicidade de um europeu do interior que tem no vinho uma extensão da própria alimentação?
Bernardo Nápoles – Sou europeu e tomo vinho regularmente às refeições, nesse caso sim com “simplicidade”, mas há aqueles momentos mais sociais, de negócios, românticos, celebrações etc, em que de fato, na minha opinião, o vinho ultrapassa o papel da extensão da alimentação e passa a ser o protagonista!
BBNewsEntrevista – Quando se pensa em um tinto português imediatamente vem à imaginação o Douro e o Alentejo. O que falta aos vinhos do Dão e da Beira o merecido reconhecimento das mais afamadas regiões produtoras de Portugal?
Bernardo Nápoles – Tempo! Há uma frase famosa que se diz entre produtores que é: “O mais difícil são os primeiros cem anos!” O Douro e o Alentejo têm uma tradição com mais longevidade. Atualmente, quer do Dão, quer da Beira, bem como outras regiões em Portugal, estão a ser produzidos de forma consistente, grandes vinhos. Essas regiões já estão a receber reconhecimento, mas é necessário continuar o trabalho feito e dar-lhes mais tempo para atinjam a fama que tem o Douro e o Alentejo.
BBNewsEntrevista – É verdade que a imensa maioria dos vinhos recusados estão em perfeito estado de degustação?
Bernardo Nápoles – Felizmente o conhecimento do consumidor de vinhos melhorou substancialmente nos últimos anos. Quando um cliente rejeita um vinho é geralmente por problema de rolha, oxidação, má evolução em garrafa. Nessas situações, o vinho de fato não está em perfeito estado de degustação. Por outro lado, se o consumidor rejeita um vinho porque este apresenta depósito, então é o restaurante que não está a prestar um bom serviço, não decantou o vinho e aí sim, provavelmente o vinho estaria em perfeito estado de degustação.
BBNewsEntrevista – Qual é a estratégia de manejo da sua vinícola?
Bernardo Nápoles – Na nossa vinícola fazemos os vinhos com todo o amor e atenção a cada detalhe e pormenor, preservando todo o legado que recebemos do passado e associando às tecnologias atualmente disponíveis. Apesar de termos uma dimensão média temos um portfólio bem diferenciado, com vinhos para maior rotação, vinhos monovarietais, vinhos premium e vinhos superpremium, capazes servir os nossos clientes em vários momentos diferentes de consumo.
BBNewsEntrevista – Portugal tem o espaço geográfico de um pequeno país, mas longas distâncias regionais, com elementos culturais e vinhos absolutamente singulares. O que faz sua produção ser tão especial?
Bernardo Nápoles – O que melhor explica isso são os diferentes tipos de terroir! As nossas castas, a urografia, o clima, o tipo de solo e em alguns casos influência marítima, proporcionam imensa diversidade. No caso do Douro, a mesma quinta pode ter diferentes altitudes, diferentes exposições solares, diferentes castas, o que constitui um autêntico puzzle em apenas uma propriedade!
BBNewsEntrevista – A grande mídia brasileira tem prazer em divulgar que há discriminação estrutural a brasileiros em Portugal. Você não acha que há certo exagero no que se refere à dimensão do problema?
Bernardo Nápoles – Não tenho conhecimento sobre esse assunto, mas se de fato acontece, acho lamentável.
BBNewsEntrevista – Com quem você sonha em dividir uma garrafa de vinho?
Bernardo Nápoles – Julia Roberts! É a minha atriz preferida.
BBNewsEntrevista – O que não se harmoniza com o vinho?
Bernardo Nápoles – Penso que todos os pratos têm harmonização possível, o segredo é saber fazer a maridagem por aproximação de sabores ou por oposição de sabores para que o consumidor disfrute o máximo possível do vinho e do prato.
BBNewsEntrevista – Como tratar os mal-educados?
Bernardo Nápoles – Com educação e elevação, nunca baixando o nível. Isso vai desarmá-los.
BBNewsEntrevista – Quais notas você procura quando bebe um vinho em família e com os amigos?
Bernardo Nápoles – Depende muito do momento, mas como notas básicas o vinho tem que estar limpo no nariz, equilibrado na boca em termos de taninos, madeira e volume e de preferência que tenha complexidade e persistência.
Instagram @quinta_do_monte_travesso
Show ! Uma entrevista gostosa de se ler e de uma leveza que quando termina vc se pergunta : Mas já acabou ? Parabéns jornalista Briztlopes e ao nosso querido amigo Bernardo que representa com muito sucesso a vinícola QUINTA DO MONTE TRAVESSO ! E que veleja muito bem !
Rosa, eu que agradeço pelo contato eo carinho de sempre. Obrigada por acompanhar sempre.
👏👏👏🌹👏👏
Obrigada Sérgio.
Parabéns a todos, entrevista bem esclarecedora. Agora só quero é experimentar os vinhos… de preferência com boas companhias!!! TimTim… 🥰
obrigada Lis. Os vinhos sao muito bacanas
Uma reportagem leve, gostosa e cheia de poesia, assim como o vinho e o gato que faz o vinho. Kkk
Obrigada querida. Um gato mesmo o dono da vinícola. Perfeitos o vinho e o dono dele.
Parabéns pela reportagem Britz!
Amo a região do Douro, alias, como frequentadora assídua de Portugal , amo esse país.
Agora esperamos poder degustar mais um belíssimo vinho orgânico português .
Parabéns Bernardo !
Obrigada Bethania. Eu também amo o Douro, acho um pedaço privilegiado de Portugal e do muindo….Beijos
Bethânia quem sabe organizamos um grupo e vamos com vc pilotando o Boeing! A AZUL tem sorte de ter uma pilota como vc no comando dos voos para Portugal.
Britz, parabéns . Como sempre prazeroso ler seus textos. Neste caso perguntas inteligentes e as respostas do Bernardo muito esclarecedoras. Imagino uma roda de conversa com a Britz, o Bernardo, Rosa Donzelli e Sérgio, seria uma oportunidade ímpar de aprendizagem no universo dos vinhos portugueses. Parabéns!
obrigada pelo comentário Adelita. Bom saber que está acompanhando.