segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Os grandes sucessos do Regime Militar

 

Talvez o maior desafio do Regime Militar foi fazer o brasileiro entender o significado do Sesquicentenário da Independência. Em outras palavras, os 150 anos do fim do período colonial ocorrido em 1972. O País tinha alguma coisa próxima de 40% de analfabetos totais. A solução publicitária foi criar um hino. Aliás, os militares produziram vários hinos que mandavam na audiência. Quando se fala da produção musical dos anos de ditadura, a lista vem pronta: Apesar de Você. Aquela com nome cumprido do Geraldo Vandré. O Bêbado e a Equilibrista. Ateia entediante, Simone gravou tema revolucionário que falava de certo “facão guarani.” Nunca vislumbrei finalidade guerrilheira deste objeto.

 

Havia comerciais, slogans, filmes, mas os dobrados dos governos de 1964 eram a peça estratégica de comunicação que contagiava a sociedade. Ao contrário do se propaga, os militares à época do Sesquicentenário da Independência eram muito populares. Não havia culto ao presidente Emílio Garrastazu Médici, mas ampla aceitação da doutrina ufanista do regime militar. O ambiente era de euforia e o sistema soube ter competência publicitária para convencer a sociedade dos valores instituídos do anticomunismo.

 

 

A situação ajudou muito com tricampeonato de futebol, crescimento econômico extraordinário, muito investimento em infraestrutura, ocupação da Amazônia, pleno emprego e pacificação política. Renda crescente com inflação baixa para os padrões da época. Médici trouxe a sensação de segurança à sociedade ao eliminar por completo as facções terroristas do ambiente das grandes cidades e a malfadada Guerrilha do Araguaia.

 

O primeiro grande hino do regime militar não era exatamente do governo. Foi apoderado da campanha da Seleção Brasileira a Copa de 1970. Pra Frente Brasil é uma marcha alegre, de ritmo empolgante e rimas perfeitas. Os militares aproveitaram-se do título da música para estimular as expectativas favoráveis do Brasil Grande, invencível na bola e pleno de prosperidade. As opções eram amá-lo ou deixá-lo. Você abastecia o carro em posto Texaco e ganhava o adesivo. Meu pai se recusava, pois ele e meu avô eram comunistas pró-União Soviética. Todo sábado a gente ia a bar do Shopping Center Sul, em Goiânia. Os dois tramavam o fim da ditadura com muito chope. O que se aproveitava de prático da conspiração era mesmo o filé a palito.

 

 

O máximo da exaltação do regime militar veio com Eu Te Amo Meu Brasil. Composta de encomenda por Dom e Ravel, dupla não-caipira manjada. Antes, eles compuseram Você Também É Responsável, tema do Mobral, programa de alfabetização do governo que se revelou um fiasco. Eu Te Amo Meu Brasil, gravada por Os Incríveis, virou hino nacional. Os membros da banda sempre negaram o propósito de ter prestado um serviço militar. O fato é que fizeram sucesso tremendo e ganharam rios de dinheiro com dobrado ufanista dos feitos da ditadura. Ao comprar caixa de sabão OMO, o disco vinha de cortesia. No fundo, os caras gostavam de tocar para o generalato. Em 1976, por encomenda da Presidência da República, gravaram Marcas Do Que Se Foi, meloso hino de final de ano com comovente apelo patriótico. A música faz parte do disco Trabalho e Paz, dedicado ao presidente Ernesto Geisel.

 

 

O último hino da ditadura foi veiculado em 1982, de novo autoria e interpretação da dupla Dom e Ravel. Obrigado ao Homem do Campo, em agradecimento ao trabalhador rural, foi tema do programa Plante que o João Garante, do governo João Baptista de Oliveira Figueiredo. A música fez relativo sucesso. A dupla estava em decadência e se apresentou no Programa Flávio Cavalcante. Foi ridicularizada pelo júri, inclusive pela bela e elegante Marisa Urban. Até esse ícone da TV brasileira, que sempre deu suporte aos militares, estava cansado do regime. O Bicentenário da Independência está aí. Até agora o presidente Jair Bolsonaro produziu nada de hino para estimular as percepções cívicas dos 200 anos da independência de Portugal. Em casa, quando Britz fica muito enjoada, eu toco Obrigado Ao Homem do Campo. Logo ela sossega e vai dormir.

 

Marcio Fernandes é jornalista

 

 

 

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Este post foi escrito por: Marcio Fernandes

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