quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Sob o céu de maio no Caminho de Cora

 

Em régio jantar na casa da prima Letícia Massula e do Marcelo Pedro, em Pirenópolis (GO), finalmente decidimos fazer a pé parte do Caminho de Cora Coralina. Experiência-piloto. A trilha de longa distância integra os sítios do ciclo do ouro do Brasil-Central dos tempos coloniais. São 330 km de extensão entre Corumbá de Goiás e a Cidade de Goiás, antiga Vila Boa da poeta Cora Coralina. Na mochila da Let, matula farta e boa para garantir segurança alimentar à extenuante caminhada. Se houvesse algum parente Melo hipocondríaco entre os presentes, estaria por perto pronto-atendimento do doutor Marcelo, um dos mais qualificados médicos do Brasil. Estava forrado e guarnecido para pegar o trecho.

 

 

Começamos a caminhada seis quilômetros após o Salto do Corumbá (GO) em direção ao cume da Serra dos Pireneus, pela vertente Leste. Depois de cruzar saroba grossa em pasto de fazenda, o Caminho seguiu com ganho de altitude de média dificuldade por oitos quilômetros. Andamos a passos sustentáveis a apreciar profundidade daquele sertão que um dia foi o caminho do colonizador europeu com sede de ouro. Marcelo, paulistano e filho de português, lembra muito a figura do bandeirante desenhado pela historiografia oficial. A Let sempre parava para identificar as espécies da flora. Dizer de cada época em que brotam frutos generosos da terra. Fonte alimentar dos bichos e das gentes do Cerrado.

 

 

Vencida a primeira etapa, depois do Pico dos Pireneus, seguimos a Sudoeste em descida por trilha estreita e sinuosa a margear o Cerrado rupestre no sopé do Morro do Cabeludo. Neste trecho do Parque Estadual dos Pireneus é preciso muito cuidado para ver onde se pisa. Terreno irregular e risco grande de encontrar jararaca muito contrariada com sua presença. Uma polaina de trekking faz toda diferença. O afloramento do pepalanto, flor típica do Cerrado, era tudo de que precisávamos para desenhar nossa passagem pelos campos do Cerrado em contraste com céu absolutamente azul que só maio pode oferecer.

 

 

Entre subidas e descidas seguimos a bem marcada trilha para avistar, ao longe, extensa vereda. Ela nos ofereceu algumas fotografias. Fonte de água boa. Tempo para descanso. Sombra confortável. Alimentação hiper qualificada e positiva no quantitativo. Produção da sofisticada chef Letícia Massula, especialista em embornal tipicamente goiano. No inóspito ambiente, o casal encontrou meio de se banhar seminu em poço de água transparente. Me abstive desta apreciação da natureza e fui pajear garrafa de Fanta que gelava nas águas da vereda. Ela é essencial em caminhadas de longa distância. Melhor do que esses energéticos com sabor de medicamento para hipertensão.

 

 

Depois de percorrer uns 12 quilômetros pelo Parque Estadual dos Pireneus, cortamos a estrada da reserva na altura da Cachoeira do Abade. A sinalização do Caminho de Cora indicava seguir pela mata das fazendas. Tolamente imaginamos que em algum momento a trilha cruzaria de novo a estrada, crucial para caso de extrema fadiga ou lesão, enfim, situação de sobrevivência. Mesmo porque o sol já caía sobre o Pico dos Pireneus. Foi um quase perrengue. Eu me isolei do grupo e me perdi. Caminhamos de noite, sem lanterna, muito cansados, com baixo suprimento de água e totalmente esgotadas as reservas de alimento.

 

 

Só fiquei mais sossegado depois que encontramos o Rio das Almas. Sabia que descer o curso das águas daria ao fundo da minha casa em algum momento. Como o pessoal conhecia a região, cruzamos o rio, de novo seguimos as marcações, logo caímos em uma pousada abandonada. Aí foi fácil chegar à estrada do Parque, em frente à entrada da Cachoeira da Usina Velha. De lá, ainda foram cinco quilômetros até ao centro de Pirenópolis em 12 horas de caminhada. Ao todo, 34 quilômetros sensacionais por vários ecossistemas do Cerrado em experiência desafiadora. Depois de banho grande, ainda lavei a alma dos meus músculos moídos com vinho alentejano.

 

 

O Caminho de Cora Coralina é hoje uma das mais importantes trilhas de longo curso do Brasil. A infraestrutura tem se desenvolvido com eficiência em função do trabalho permanente da Associação Caminho de Cora Coralina (ACCC). É interessante ressaltar que tudo começou em 2013, a partir da cabeça de Bismarque Villa Real. O cara concebeu o projeto. Fez todo estudo historiográfico. Escreveu a cartografia do traçado e continua fazendo a marcação de campo e construindo a rede de apoio. A inserção da poesia de Cora Coralina como referenciado Caminho é o diferencial de uma boa ideia que se tornou extraordinária aventura pelo mundo da cultura caipira brasileira.

 

 

Marcio Fernandes é jornalista

Fotos do Caminho: Marcio Fernandes

Foto Bismarque: Eliane de Castro

Foto Marcelo: Letícia Massula

 

 

 

 

 

 

Este post foi escrito por: Marcio Fernandes

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1 comentários em "Sob o céu de maio no Caminho de Cora"

  • Noemy Faria disse:

    Que caminhada linda. Na outra vinda minha à terra, quero fazê- la. Embora que, com o seu belo texto, me deliciei a cada passo. Belos parceiros. Parabéns!❤️❤️❤️❤️

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