sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Sobre chocolates e a saliência dos garotos

 

Na semana passada, contei aqui sobre a criação do Conar e como os publicitários criaram sua auto-regulamentação da nossa propaganda. Hoje vou contar um caso de um comercial denunciado ao Conar há mais de 20 anos.

 

Aliás, qualquer consumidor pode fazer denúncia ao Conar, caso se sinta ofendido por alguma mensagem publicitária. Isso já foi feito mais de 10 mil vezes nos últimos 35 anos.

 

Mas, pra que você entenda o “causo”, sugiro que acesse este link e assista o comercial relatado neste artigo (https://www.youtube.com/watch?v=N97KxUZUqFc).

 

Viu? O comercial foi criado pelo publicitário Washington Olivetto para o cliente Chocolates Garoto, nos anos 90, e desde aquela época, as regras éticas da propaganda exigiam cuidados especiais  em comerciais com participação de crianças e adolescentes, assim como produtos destinados a menores de idade.

 

Mas o entendimento da publicidade é interpretação pessoal e pode apresentar situações que, para alguns, são impróprias, e para outros, não. Depende do entendimento de cada um, da formação cultural, religiosa, social ou outras.

 

Pois bem. Como você viu no link, o filme apresenta garotos na pré-adolescência, despertando sua atenção para o sexo oposto. As cenas são retrato do que os adolescentes faziam (acho que ainda fazem): espelhinho na ponta do sapato para ver a calcinha da professora na classe,  espiar pela fechadura para ver a tia tomando banho, fingir de afogado na piscina do clube para a linda salva-vidas aplicar a respiração boca-a-boca etc.

 

Muita gente gostou, mas, como era de se esperar, choveram reclamações no Conar de consumidores indignados. E foi instalado o procedimento ético. Nesse caso, a defesa foi apresentada lastreada em pareceres de dois dos mais ilustres psicólogos e psiquiatras especializados em crianças e adolescentes: Flávio Gikovate e Içami Tiba. Os laudos destacaram que a publicidade espelha a realidade e que, na idade dos meninos do comercial, ninguém controla a curiosidade deles pelas mulheres, principalmente as mais velhas.

 

Portanto, o comercial Garotos, do Chocolate Garoto, nada mais apresentava do que a realidade e que, portanto, não havia exagero nas atuações dos personagens, representados pelos garotos na fase de pré-adolescência. Ao mesmo tempo, o MP de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, pressionado pela Câmara Municipal, instaurou inquérito civil para apurar eventuais atropelos às leis de proteção à infância e juventude. O procedimento ético teve tramitação mais ágil e foi julgado pelo Conselho de Ética do Conar, que entendeu não ter havido infração ao código e recomendou o seu arquivamento.

 

Com base nesse resultado, o MP de São Leopoldo recomendou o arquivamento do inquérito civil, argumentando que, se o Conar, composto por profissionais com notório conhecimento da comunicação, entendeu não ter havido infração às disposições éticas, entendia ele que também não havia infração às disposições legais.

 

Agora que você conheceu os bastidores e viu o comercial, saiba que ele foi amplamente premiado nacional e internacionalmente.

 

Mas, se fosse veiculado hoje, seria detonado nas redes sociais conservadoras, da extrema direita radical, dos evangélicos e das filhas de Maria.

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Este post foi escrito por: Marco Antônio Chuahy

As opiniões emitidas nos textos dos colaboradores não refletem necessariamente, a opinião da revista eletrônica.

1 comentários em "Sobre chocolates e a saliência dos garotos"

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