sábado, 27 de julho de 2024

A arte que anda pelos becos

 

Marcio Fernandes – Há mais de oito anos, o encontro de projeto público criativo, muita dedicação dos artistas e alguma coisa da iniciativa privada vem colorindo o centro de Goiânia (GO) com arte popular de apuradas técnica e temática. Tudo começou oficialmente no Beco da Codorna, a partir da criação do Museu de Arte Urbana, situado na perpendicular de uma Avenida Anhanguera desalmada e suja.

 

 

Assim como em São Paulo, Amsterdam ou Porto, a produção cultural a céu aberto por aqui é bem diversificada. De uma frase solitária, que clama pelo mar nesta cidade árida, aos grandes retratos, o produto cultural qualifica o ambiente urbano degradado. Trata-se da substituição do lixo cultural das pichações pela arte gráfica e da palavra comprometida com a liberdade da esculhambação sem polarizar os ânimos.

 

 

As pinturas nas paredes dos becos do centro da cidade destacam a arte de rua justamente pela oportunidade democrática de exposição. São obras extraordinárias que expõem a olho nu e, em grande escala, temas inconvenientes à sociedade brasileira com alta definição do desenho. Outras fazem do burlesco a matéria-prima da expressão artística. Um poema-cartaz chamou a atenção por trazer à deteriorada Avenida Tocantins um verso de Augusto dos Anjos. Lá está: “Escarra na boca que te beija” (sic).

 

 

O poema-cartaz, muito difundido nos aos 1970-1980, tem agora uma leitura em técnica lambe-lambe muito identificada com a dinâmica da tecnologia da informação. Os caras criam com muita impetuosidade. Não economizam mesmo na provocação para buscar um resultado poético desobediente e antidepressivo. Dezenas de artistas qualificados viajam longe na maionese. Resgatam um pouco do psicodélico da cultura Hippie, empregam a técnica da colagem fotográfica com competência e às vezes dizem tudo em um adesivo para declarar a boa conduta de andar de bicicleta.

 

 

Não há censura na arte de rua nem cabimento para o desdém estético. A sensualidade, por exemplo, é tratada com primor gráfico e humor tais que convertem a licenciosidade em um tributo ao amor livre e puro. Grande parte dos trabalhos tem autoria de quem sabe desenhar, o que faz toda diferença no grafite. Outra coisa interessante é a utilização do cartaz criativo para o chamamento de eventos de determinada tribo urbana. Gostei muito do The Antifamily Week (A Semana da Antifamília).

 

Mais recente do que a arte dos becos, grandes murais começam a substituir o cinza decadente na lateral dos antigos edifícios do centro de Goiânia. Na Rua 3, antes da Avenida Goiás, a imagem é fabulosa de três prédios que se converteram em obra de arte. Ao centro, no Edifício Dona Chafia, o saudoso e imenso Geraldinho, o contador de causo mais instruído da cultura caipira brasileira.

 

 

No fundo de uma das vielas da Rua do Lazer, loira grafitada de proeminentes olhos azuis enche a parede de beleza enquanto um cara fuma crack. Na entrada do Beco da Codorna, a imagem da indignação criada por dois artistas diferentes advertem para a humilhação do negro no Brasil. Neste ambiente artístico de beco, tudo junto e misturado, a mensagem dos muros é espontânea: “TEU CORPO É MEU POEMA.”

 

Marcio Fernandes é jornalista

Fotos: Marcio Fernandes

 

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Este post foi escrito por: Marcio Fernandes

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