sábado, 14 de setembro de 2024

A Dama de Linho Branco, uma viajante clandestina

 

Britz Lopes — Se a sua vida já não é fácil tendo de produzir a foto e aplicar filtros e mais filtros para ficar bem na postagem, imagina a minha amiga, que aqui vou chamar de Dama de Linho Branco – seu tecido e cor prediletos. A partir de certa coordenada geográfica em ilha da Europa, ela roda o mundo sem que o seu namorado – que mora noutra localização do GPS – saiba. Trata-se de um bem sucedido empresário, centrado, mas que quer escrever lei para o estilo de vida dela, incluindo o corte da bebida e do cigarro, para que ela foque no cotidiano sem muita aventura.

 

Um breve perfil da Dama. Generosa, tem múltiplos talentos – é chef de cozinha, sabe costurar, fazer chapéus, bijuterias, decorar e imita Modigliani em pinturas gigantescas que até já lhe renderam algum dinheiro. Quando bebe, bebe tudo. E precisa de 50 horas contadas para se recuperar. Quando bebe, adora comprar passagem para lugar desconhecido; tudo de última hora. E sempre dá certo. Quando viaja, gosta de olhar para o chão para garimpar pedra preciosa: se for caco de garrafa de Heineken, acha que é esmeralda; de Orloff, diamante perdido. Quando bebe na viagem, pode contratar um novo garçom, lhe dar casa, comida, emprego e roupa lavada. Ainda bem que essa parte não se concretizou, assim como o inglório garimpo.

 

Vai falar que ela não tem foco? Apenas entendeu que só se vive uma vez. E é hoje. Então, não pensa duas vezes antes de clicar no app de companhia lowcost e adquirir um bilhete para uma cidade que ela tenha gostado do nome, de algum restaurante com iguaria especial ou detalhe mínimo que o valha.

 

A aventura começa com a aquisição do ticket e a deliciosa tensão continua no destino. Tudo na calada. E ele liga pra ela religiosamente todos os dias. E o pior: chamada de vídeo. Dama de Linho Branco tem de, na hora, encontrar um fundo neutro onde quer que esteja no mundo para dar prosseguimento à conversa sem suscitar suspeitas. Isso inclui saber se o som de fundo vai ser compatível com o lugar que ela diz estar naquele momento. Uma peleja, já que cada cidade do mundo tem suas particularidades sonoras e visuais. Tranquilo mesmo é só quando ela ainda está no hotel e utiliza parede neutra imitando o próprio quarto.

 

Eu saí de perto para rir do lado de fora de um túnel em Budapeste, o melhor refúgio que a ajudei encontrar em nossa última incursão. Sempre há uma pichação, como em qualquer lugar do planeta, barulho indefinido, ciclistas passando. Foi um pouco tenso porque o trem que passava ao lado fazia ruído exclusivo, mas daí ela levantou o tom de voz e fingiu deixar cair o celular, que em nenhuma hipótese pode ser atendido em aeroporto. Que delícia de vida tem essa minha amiga querida. Amo ser sua cúmplice por ocasiões das viagens clandestinas. Conte sempre comigo para rastrear um abrigo seguro!

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Este post foi escrito por: Britz Lopes

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