sexta-feira, 26 de julho de 2024

A eletrola da casa do meu avô

 

 

Ali, bem em frente ao sofá da sala de visitas da casa do meu avô, havia um móvel bonito, feito com madeira clara, com três portinhas, que eu conseguia abrir, apesar da tenra idade. Que curiosidade aquelas portas provocavam! Até parecia que abrigavam uma mina de ouro.

 

Ao abrir a primeira portinha, saltava aos olhos um deslumbrante toca-discos, que com movimento deliciosamente mágico, pressionado por um braço equipado com uma minúscula agulha em uma de suas extremidades, trazia pra gente um mundo encantado de melodias lindas e emocionantes.

 

A porta do meio guardava um rádio multifaixas, de onde chegavam notícias do mundo inteiro. Acho que vovô não gostava muito da nossa presença nos momentos do noticiário. Ele sempre nos mandava ficar em silêncio. Que chatura aquelas notícias!

 

A terceira porta era um barzinho. “Aí não pode mexer, é coisa de adulto”. Acho que, por essas coisas que eu achava os adultos chatos, às vezes. Mas, o bom mesmo era abrir a porta para tocar os discos. Como eram prazerosas as audições naquela sala! Sentávamos no chão, nós crianças, próximos à eletrola, nos deliciando com aquele repertório muito bem escolhido. Vovó, com voz bem afinadinha, acompanhava cantarolando para ajudar o pessoal do disco, mesmo se atrapalhando em alguns trechos da letra.

 

De todas as doces lembranças que a casa do vovô deixou, a eletrola é a mais forte. Ali de dentro daquela caixa mágica brotavam sons magníficos que nos trouxeram sonhos, fantasias e muito prazer.

 

O móvel ainda existe, decorando a sala da casa de uma prima, que também viveu aquelas emoções especiais. Qualquer dia chego lá para me sentar no chão e ouvir as lembranças, sentindo o cheiro da madeira clara, misturado com vinil dos discos e aquele da portinha misteriosa, que não era “coisa de criança”. Fique tranquilo, vovô, não vamos mexer lá.

 

A eletrola da sala do meu avô resiste ao tempo, assim como aquelas músicas que ouvíamos ali. Diriam os puristas: “Não se fazem mais móveis, músicas, nem avós como antigamente”.  Éramos felizes e tínhamos perfeita consciência disso.

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Este post foi escrito por: Rinaldo Barra

As opiniões emitidas nos textos dos colaboradores não refletem necessariamente, a opinião da revista eletrônica.

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