A entrega do Leão de Cannes ao verdadeiro vencedor
Percival Caropreso — Em 1996, ganhamos um Leão de Prata no Festival de Cannes. Quer dizer, a AACD ganhou. Quer dizer, o Joãozinho ganhou. Um ano antes, aconteceu mais reunião do Conselho da AACD, quando as diretorias clínicas, de pesquisa, da oficina de próteses, financeiras e todas as demais prestavam contas de seus avanços nas respectivas áreas. Como conselheiro da AACD e publicitário, uma apresentação me chamou a atenção. Era o registro clínico, em vídeo amador, da recuperação, ao longo de dois anos, de um menino com paralisia cerebral. Um sucesso da ciência.
O Joãozinho, aos seis anos, começava se arrastando e ao final, depois de 2 anos, saía andando. Com dificuldade, mas andava por ele mesmo. Apesar de ser precário tecnicamente e apenas um registro médico, de má qualidade e resolução, sem produção ou direção de arte, pedi o vídeo emprestado por uns dias.
Paulo Manetta, Luiz Nogueira, Bob Gebara e eu reeditamos aquelas longas horas clínicas em poucos segundos de comunicação surpreendente e emocionante. Minha ideia era mostrar a evolução motora do Joãozinho como resultado do trabalho da AACD, mais uma razão pra sociedade contribuir com a instituição. Mandei parte da minha equipe a Cannes pra receber o Leão de Prata, uma festa.
Naquela época, semanas depois do Festival, havia tradicionalmente uma réplica paroquial da cerimônia de Cannes, aqui mesmo em São Paulo, no então badaladíssimo Hotel Maksoud. Participavam todos os grandes anunciantes e publicitários, jornalistas.
Como era isso? Começava com um lauto coquetel abastecido e regado a champanhe, caviar, salmão, coquilles saint-jacques e acepipes chics. Depois todos os convidados, devidamente paramentados de terno e gravata, acompanhados por suas mulheres ou suplentes, se encaminhavam solenemente ao Salão Nobre do Maksoud para a cerimônia.
Eram projetados os filmes ganhadores, categoria a categoria, bronze, prata, ouro, um a um. Depois de cada filme, o mestre de cerimônia chamava representantes dos clientes e das agências pra receberem uma réplica do Leão. Também era uma festa.
Apesar de nosso Leão ser apenas de Prata, pedi aos organizadores pra deixar nosso filme da AACD e do Joãozinho para o final, o último da cerimônia. Afinal, era o único filme brasileiro premiado na categoria “Social Affaires” ou algo assim.
Depois de exibido o filme, o mestre de cerimônia chamou ao palco pra receber o Leão de Prata, não a AACD nem a equipe da McCann, mas o próprio Joãozinho. Lá foi ele, devagarinho, titubeante, passo após passo, da plateia até o palco. Uma longa jornada pra ele, uma eternidade de sucesso. Suspense e emoção no ar. Joãozinho recebeu o Leão, disse apenas “Obrigado” e desceu de volta pro seu lugar na plateia.
Aí se encerrou a cerimônia, sob aplausos e lágrimas. Encerrou mesmo? As portas do Salão Nobre foram abertas e no hall estávam meninas voluntárias da AACD, vestindo e vendendo camisetas, bonés, chaveiros, adesivos, tudo o que era da AACD. Elas divulgavam a instituição, enriquecendo seu significado, pediam doações pontuais graúdas, distribuíam boletos de contribuição anual consistente, um verdadeiro show promocional e de captação.
Todos tinham acabado de viver a emoção recente, minutos atrás, de ver o filme ganhador de Cannes e o caminhar do verdadeiro vencedor, o Joãozinho. Não foi só uma festa: foi um sucesso de awareness, arrecadação e fidelização. Foi um exemplo claro do pensamento e prática típicos Setor 2 ½: a fusão ideal da lógica do Segundo Setor com a lógica do Terceiro Setor. Isso foi comunicação 360o já naquela época… Imagine se a gente tivesse, então, internet, redes sociais, o mundo digital? O que não faríamos a partir de uma grande ideia central forte, movida à paixão e técnica?
Foto: Portal AACD