sexta-feira, 26 de julho de 2024

Amazônia na onda das belas mentiras

 

Marcio Fernandes  — Se você acredita em tudo que se diz sobre aquecimento global, especialmente que a Amazônia é o pulmão do mundo e o derretimento das calotas polares vai provocar a inundação de Ipanema e Manhattan, precisa melhorar o discurso, mesmo na Nova Era do Lulalquimismo. O grande passivo ambiental do Brasil definitivamente não é desmatamento do território dos povos originários. O maior problema são os baixos índices de saneamento, assim entendidos fornecimento de água potável, coleta e tratamento de esgoto, deposição resíduos sólidos e drenagem urbana de águas pluviais. A pobreza da infraestrutura do setor posiciona o Brasil na situação de subdesenvolvimento pior do que o Paraguai e se reporta a questões que o Hemisfério Norte resolveu há pelo menos 70 anos.

 

De acordo com o Esgotômetro do Instituto Trata Brasil, organização da sociedade civil de interesse público da melhor reputação técnica, por dia são despejados “5.336 piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento nos mananciais do País.” Por ser verdade que as mudanças climáticas em curso vão provocar enorme escassez hídrica, o Brasil está destruindo um patrimônio natural de imenso valor estratégico, além de acentuar as causas da pobreza crônica. Por se desfazer sem o menor pudor das reservas de água doce, que são abundantes, mas muito mal distribuídas no plano regional em relação à concentração populacional, este bananal desvairado deveria ser desmoralizado em vez de ser tratado como protagonista da sustentabilidade ambiental.

 

 

Para se ter noção do tamanho deste passivo, basta observar que praticamente metade dos 211 milhões de brasileiros não tem acesso a coleta e tratamento de esgoto. Os que não têm fornecimento de água tratada somam uma população de 33 milhões. De acordo com dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), o Brasil possui alguma coisa próxima de 3 mil lixões a céu aberto, dano ambiental que afeta 77 milhões de pessoas e causam um prejuízo estimado em 1 bilhão de dólares por ano em impacto aos ecossistemas envolvidos e em gastos com saúde pública. Pirenópolis (GO) é um belo exemplo de paraíso ecológico com lixão a céu aberto, localizado a menos de sete quilômetros do centro histórico da cidade.

 

Foi com admiração sincera que acolhi o desejo manifestado por Lula de sediar na Amazônia a próxima Cúpula do Clima (COP 28) a ser promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2025. Como é do feitio do presidente eleito, tudo vai ser resolvido em conversa de compadres com o secretário-geral da ONU, o português António Guterres. Para quem trouxe, em intervalo de dois anos, a Copa do Mundo e as Olimpíadas, a tarefa vai ser facilmente cumprida com algumas doses de caipirinha, mega feijoada com orelha e pé de porco, além do charuto cubano. Lula só tem dúvida se Belém (PA) ou Manaus (AM) seria a cidade-sede do encontro global. Se em Sharm el-Sheik, Egito, os participantes da COP 27 ignoram riacho de esgoto a céu aberto que corre pelas ruas da cidade, nas duas capitais amazônicas a tragédia ambiental instalada por falta de saneamento e moradia inadequada não será digna de percepção para o bem da humanidade, aí incluídas as novas gerações, expressão apavorante.

 

Manaus, por exemplo, de acordo com dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), 78,1% da população local não sabem o que é coleta de esgoto. Ao problema deve ser adicionado o índice 47,84% do território manauara ser ocupado por favelas. Neste espaço urbano pútrido e degradado, europeus da melhor cepa ecologista, que cultuam o queridismo favelado, vão encontrar na cidade um ambiente propício para discutir a redução de CO2 na atmosfera e salvar o planeta. Para a ONU, hipocrisia pouca é bobagem perto das belas mentiras consagradas no discurso do aquecimento global. A notícia boa, mas que precisa se materializar, é o novo marco de saneamento básico editado em 2020. Se tirar a lei do papel, o Brasil terá alguma chance de universalizar o serviço de saneamento e ter postura moral para discutir mudança climática.

 

Marcio Fernandes é jornalista

 

Foto 1: Sebastien Goldberg by Unsplash

Foto 2: Valter Calheiros/ Amazônia Atual

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Este post foi escrito por: Marcio Fernandes

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