Arroz com catchup no deserto de sal
Marcio Fernandes – Salar de Uyuni, Bolívia, é um daqueles lugares que você tem de conhecer antes que o mundo acabe, mas não precisa voltar. Maior e mais alto deserto de sal do planeta, o singular bioma compreende uma área de aproximadamente 11 mil km².
Isto é quase o dobro do território do Distrital Federal com volume de 10 bilhões de toneladas de sal no qual se encontram 70% da reserva mundial de lítio, o minério da geração Z. É um mundo particular de sal, sol intenso e atmosfera fria desprotegido de qualquer iniciativa aparente de conservação ambiental.
Não há como fugir da visita com guia, a não ser que você esteja fazendo uma viagem de longa distância de moto ou carro e tenha conhecimento de operar rotas de navegação. Se peder por aqui é fácil e de trágicas consequências.
Há duas maneiras de se visitar o Salar. Fazer o bate-volta desde a tenebrosa Uyuni ou dedicar três dias para explorar o deserto de sal e as lagoas em profundidade. Não posso afirmar com ampla convicção que conhecer o bioma foi uma roubada porque o ambiente vale a viagem. Mas no passeio estão incluídas algumas furadas próprias de toda atividade de viagem que envolva guia, pacote ou excursão.
Uyuni, a cidade base, faz Barreirinhas, no Maranhão, parecer um vilarejo do Sul da França. A porta de entrada do Salar é um assentamento urbano pavoroso, muito bagunçado, encoberto de poeira e forrado de lixo nas ruas e nos lotes baldios.
Há lugares em que o resíduo plástico se gruda na vegetação rasteira e forma visualmente uma lavoura de lixo. O que torna mesmo Uyuni o vizinho mais próximo do inferno é o fato de que a cidade inteira é uma construção inacabada e todo mundo mora na obra.
Há dezenas de agências que vendem o pacote e o embrulho da viagem completos. Em 79% dos casos você vai comprar um passeio em veículo 4×4 velho e desarrumado. Como se trata de uma viagem de seis horas de duração é imperativo o almoço no Salar. Neste caso, a possibilidade de a comida ser muito ruim sobe para 91%.
O padrão é frango de granja sem tempero, arroz branco amanhecido e uma salada cozida. Falta sal na comida do deserto de sal. Ninguém reclama pois na Bolívia não existe este instituto social chamado reclamação.
Agora, o ambiente do Salar é de uma beleza fotográfica que nem mesmo a imagem da tua câmera é capaz de revelar plenamente. Lá moram um sol e um azul do céu que estão sempre aos teus pés.
A superfície absolutamente plana e branca do solo reflete a paisagem celestial ora em terreno dividido em escamas ora em lâminas d’água. Qualquer elemento que projeta sombra cria uma imagem sensacional na terra de sal do Salar.
O bioma é muito lindo e merece uma visita enquanto você estiver vivo. Só não faça como os bolivianos. Na mesa em que não havia vinagre e óleo de oliva tinha maionese e catchup em embalagem de plástico.
Eles cobrem o arroz com a combinação daqueles produtos gosmentos e devoram o frango pálido como se estivessem na última ceia do deserto. E depois saem felizes a ouvir no carro composições que exaltam a Bolívia marcadas pelo agudo da zampoña e a temática recorrente do amor traído nos confins andinos.
Marcio Fernandes é jornalista
Que legal que vc está aí! VI no cemitério de trens!
Obrigado, professora. Não fui ao cemitério de trens. Achei meio roubada. Cheio de turistas.
excelente Artigo.. parabéns!!
Valeu, Dona Leda!
Gosto muito de fotos e reportagens do Salar, mas vontade de ir lá…..zero.
Flávio, vale muito a pena, mas é sofrimento mesmo se ficar em um dos três hoteis cinco estrelas do Salar. Cinco estrelas na Bolívia somam mais ou menos 1.75 estrela no Brasil.