sábado, 27 de julho de 2024

“Comida mal feita me irrita muito”

 

Britz Lopes – Da bela Roanne, na França, ele veio para o Brasil cumprir um contrato de trabalho de dois anos. Apaixonou-se pelo país e por uma brasileira. E aqui está há 43 anos. O chef Claude Troisgros não é fraco não. Quando percebeu que o país era incipiente em alta gastronomia, entrou pela porta escancara à sua frente e começou a abrir restaurantes – o primeiro foi com fogão e a geladeira usados que ele levou de casa. Desde então, não mais parou. Já são vários no Rio de Janeiro e São Paulo, onde ele emprega tudo que aprendeu com a família, responsável pela criação da nova cozinha francesa. O chef esteve em Goiânia na semana que passou, quando participou da Temporada Gourmet do Goiânia Shopping e falou ao Bybritznews. Contou que seu prato preferido é carne seca com abóbora, deu dicas importantes para quem quer ser bom na cozinha e disse qual seria a sua última ceia.

 

BbnewsEntrevista – Claude, o que o atraiu no Brasil? Como você veio parar aqui? Já são quantos anos por aqui?

Claude Troisgros – Então, cheguei ao Brasil em 1979, através de um contrato de trabalho de dois anos para a abertura do restaurante Le Pré Catelan, no Rio de Janeiro, localizado no Palace Hotel Copacabana. Assim que terminou o contrato eu já estava apaixonado pelo Rio e por uma brasileira. Então, decidi ficar mais alguns anos e aqui estou até hoje.

 

 

 

BbnewsEntrevista – O que mais lhe causou estranhamento no começo?

Claude Troisgros – Eu venho de uma cidade pequena chamada Roanne, na França, de clima frio praticamente o ano inteiro e muita chuva e de repente vim parar num país quente, ensolarado, à beira do mar, numa cidade, que é o Rio, muito alegre – e a cidade mais bonita do mundo. Não sei se isso é estranhamento; é felicidade. O que chamou a atenção é que naquela época não existia restaurante de alta gastronomia. Havia italianos e também franceses, mas não comandados por italianos ou franceses, com nomes errados nos cardápios. Não tinha uma cozinha moderna francesa. Talvez por falta de produtos, de cozinheiros competentes. Isso pra mim foi uma porta aberta para que eu pudesse criar um novo momento na gastronomia brasileira.

 

 

 

BbnewsEntrevista – Você planejou tornar-se um restauranteur de respeito e um showman da televisão?

Claude Troisgros – Nunca planejei. Aliás, não planejei ficar no Brasil. A abertura do Le Pré Catelan foi um sucesso. Vencido o meu contrato eu abri um pequeno restaurante em Búzios, depois voltei e abri outro no Rio de Janeiro, bem pequeno, cozinha minúscula, fogão e geladeira usados, que levei de casa. Comecei assim, com pouco dinheiro e o crescimento aconteceu. Também não planejei fazer televisão. Nos anos 1990 fui abrir com um grupo um restaurante em Nova York chamado CT, que foi bem badalado e uma rede de televisão, a TV Food Network, me convidou a participar da sua formatação, fazer reuniões com os chefs. E quando eu voltei para o Brasil, aconteceu de eu ir parar na TV.

 

 

 

BbnewsEntrevista – Qual o segredo do seu sucesso?

Claude Troisgros – Difícil de definir, mas eu diria que a maior parte vem com a referência de qualidade, consistência no trabalho, oferecendo sempre o melhor. Tem também o ingrediente da competência, momentos de sorte e o conjunto da obra de um negócio.

 

 

BbnewsEntrevista – Quais os ingredientes mais inusitados que você aprendeu a usar aqui?

Claude Troisgros – São vários. O Brasil é muito rico em elementos que eu desconhecia, porque eu venho de uma de uma família francesa. Tem o tucupi, a jabuticaba, aipim, jiló, quiabo, e outros muito diferentes dos produtos que encontramos na Europa.

 

 

 

BbnewsEntrevista – Do que você não gosta na culinária brasileira? E o que mais lhe apetece?

Claude Troisgros – Em qualquer comida de quaisquer países tem algo que não nos agrada. Eu mesmo gosto de tudo. Só não gosto de comida mal feita, pode ser francesa, brasileira, chinesa… Eu fico muito irritado quando a comida não é bem feita, com técnica e qualidade. Agora o que eu mais gosto da comida brasileira é jabá com jerimum – carne seca com abóbora. Mas a cozinha brasileira é rica demais e diferente em cada região.

 

 

 

BbnewsEntrevista – Você recebe chatos pra comer em seus restaurantes? Como lidar com eles?

Claude Troisgros – Eu não diria chato pra comer, pois o chato não vai a restaurante, come sempre em casa. Mas sempre tem um que não come determinada coisa e a gente tenta se adequar a esses clientes, que como diria meu avô, é sempre rei.

 

 

 

BbnewsEntrevista – Aliás, chato pra comer tem conserto?        

Claude Troisgros – No meu programa alguns têm outros não. Acho que é assim. Uns querem mudar e outros são apegados à mesma comida.

 

 

 

BbnewsEntrevista – Você terá direito a sua última ceia. Qual será o pedido? E o vinho para acompanhar?

Claude Troisgros – Uma comida cheia de lembranças da vida. É um prato da minha avó italiana de raiz, que cozinhava muito bem. É um nhoque com molho de tomate, depois gratinado, que ela fazia todos os domingos. Para acompanhar não aceito qualquer vinho. Quero um da minha região, que é a Borgonha: um Romanée-Conti.

 

 

BbnewsEntrevista – Já transformou alguém que não sabia cozinhar ovo em bom cozinheiro?

Claude Troisgros – Se quem não sabe cozinhar ovo quiser ser um grande cozinheiro, vai ser. Com dedicação, trabalho e tempo. Tenho um exemplo. A Fátima, ou Fafá, que trabalha na minha casa. Ela cozinhava muito mal e hoje cozinha muito bem. Nem foi porque eu ensinei. Foi com dicas e sabedoria que ela se transformou. Ela tem uma coisa que todo cozinheiro deveria saber: temperar com sal e pimenta. E ela sabe.

 

 

BbnewsEntrevista – Na cozinha, várias misturas são condenadas. Qual você nunca faria?

Claude Troisgros – Hoje a cozinha evoluiu muito e a gente saiu dessa prisão que é o classicismo. Graças à minha família, inclusive, que foi criadora da nova cozinha francesa nos anos 1960, e 70, com técnica e sabedoria, os chefs conseguem fazer, por exemplo, uma ostra com chocolate virar um prato espetacular.

 

 

BbnewsEntrevista – Cozinhar bem é resultado de inspiração ou transpiração?

Claude Troisgros – (Risos). Nenhum dos dois. Cozinhar bem é ter sensibilidade, amor ao produto e conhecê-lo, à terra, ter técnica, conhecer o produtor e valorizar tudo isso.

 

 

 

BbnewsEntrevista – Tem novos projetos na sua mira?

Claude Troisgros – Tenho novos projetos concretizados. O Mesa do Lado, no Rio de Janeiro, no fundo do Chez Claude, uma experiência sensorial através da gastronomia, do olhar, do ouvir e do olfato, através de projeção, música, cheiro. Assim envolvemos nossos clientes com um menu degustação de nove pratos. É pequeno, só tem 12 lugares, mas é uma coisa inesquecível. Abrimos também um italiano, Cantina do Claude, também no Leblon, com 20 lugares, com os clássicos da cozinha italiana muito bem feitos. Tem fila na porta todos os dias. Em São Paulo temos o Le Quartier, no Itaim, nos moldes do Chez Claude do Rio. No fim do mês vamos abrir o bistrô do Le Quartier, de cozinha bem tradicional francesa e o Bar do Claude, com jazz de alto nível e drinques elaborados.

 

 

 

 

BbnewsEntrevista – Com tantos problemas pelos quais navega o Brasil, você nunca pensou em fazer o caminho de volta?

Claude Troisgros – Como qualquer país no mundo, o Brasil tem os seus problemas. E tem de ser resolvidos da melhor maneira possível. Agora, voltar, nunca pensei. Fiz minha vida profissional, minha família e amigos aqui. Sou um apaixonado pelo Brasil.

 

 

Fotos do prato e de Claude no evento: Nelson Pacheco

Avatar

Este post foi escrito por: Britz Lopes

As opiniões emitidas nos textos dos colaboradores não refletem necessariamente, a opinião da revista eletrônica.

11 comentários em "“Comida mal feita me irrita muito”"

Deixe uma resposta