Como os Nossos Pais, Norwegian Wood e a conquista do Monte Civetta
Marcio Fernandes – Alta Via 1, dia 5 – Definitivamente, hoje foi a etapa mais dura da Alta Via 1. Foram 14,5 km de caminhada nas Dolomitas, metade dos quais só de ganho de altitude da face Nordeste do Monte Civetta, 2.142 metros acima do nível do mar. A montanha é absolutamente linda, mas cobra um alto preço para ser vencida com mochila de uns nove quilos nas costas. Apesar de estar com a sensação física de ter tomado uma sova grande de uns cinco PM’s, meu coração era alegria pela conquista.
Ainda no sopé do Monte Pelmo dei uma parada estratégica em córrego super gelado que descia da montanha para dar um tipo de banho nas partes essenciais do corpo e lavar duas peças de roupa que pediam socorro. Foi muito divertido, pois não entro em água fria nem pra ganhar dinheiro.
De alma lavada, segui a trilha todo serelepe e do nada me veio à lembrança o tal clipe de inteligência artificial da Elis Regina cantando Como os Nossos Pais com aquela menina gordinha que imita a mãe e não canta nada. Foi sensacional e alguma coisa da música me lembrou os tempos de rebeldia dos Anos 1980, quando eu achava que poderia subverter o sistema por ser discípulo de Charles Bukowski.
É muito interessante a cultura do bem trajar do povo italiano. Na Alta Via 1 todo mundo atravessa as montanhas usando o que há de mais sofisticado do vestuário hiking e as italianas cruzam contigo impecavelmente perfumadas. Outro detalhe é o trato educado na administração da trilha estreita. Não existe disputa de espaço e normalmente as pessoas respeitam a vez de quem está subindo.
Nos cruzamentos de montanhistas sempre rola um buon giorno, salve ou buona giornata. Eu sempre retribuo a gentileza, mas às vezes rola certa confusão linguística. Uma hora você manda um buon giorno e é cumprimentado em inglês com o universal hello. Em outra ocasião você vai de hi e ganha em troca um salve. Só quem não diz nada são os japoneses. Eita povo impessoal. Nem em situação de sobrevivência na alta montanha você vai receber deles a solidariedade de um simples good morning!
Após o início pesado da subida do Monte Civetta, quando já estava adquirindo ritmo de ganho positivo de caminhada, a trilha foi bloqueada por rebanho de vacas leiteiras. Fiquei super cismado de tomar umas chifradas e parei a progressão do passo até que chegou do nada o pastor das meninas e abriu a rota da minha escalada.
Fiquei meio perdido no pasto e fui socorrido por uma italiana que indicou com um meeeé o rumo da Alta Via 1 montanha acima. Entendi que a indicação se referia a rebanho de ovelhas. Acabou que além de retomar a proa correta fiz linda fotografia. Por uma parte da subida eu e duas mochileiras da República Tcheca nos encontramos três vezes completamente extenuados. Elas também estavam carregando equipamento de acampamento, mas com pelos pelo menos 40 anos a menos de sobrepeso nas costas.
Mais uma vez consegui a bênção divina e descolei lugar para mim e Maurizio em um refúgio mais com cara de albergue do Caminho de Santiago. No ambiente bem descolado rolou um pessoal cantando músicas italianas com um violão bacana. Foi bem difícil dividir o quarto com mais cinco catiretes. Como estou em ritmo de despedida das Dolimitas, fiquei todo sentimental e no chuveiro programado para jorrar água por três minutos, fiz o que pude para caber no banho Norwegian Wood.
Texto e fotografias Marcio Fernandes
Eu fico curioso com a sua perseverança em manter seus leitores sempre atualizados. Como editar esses textos? No celular? Mais ainda o tempo gasto e as condições físicas em que são redigidos. Obrigado por nos manter sempre informados.
Tudo no celular e depois de extenuante jornada! Obrigado, Américo!
Ainda bem que tu carregas la madrasta por mim, apesar da paisagem extenuante, a caminhada/subida/descida não é brinquedo não. Adoro nossas viagens, cunhado!😘😘
Pois, Silvinha! Minha cunhada de Melo
Ainda bem q existe celular afinal temos esses maravilhosos textos Dr parabéns Márcio Fernandes!! 🤗🤗