sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

De Ponte da Barca ao Lindoso e as lições do Rio Lima

 

Marcio Fernandes – No Alto Minho, na parte mais setentrional das terras portuguesas, existe um rio que é uma obra de ficção quando comparado à imundície ambiental do Brasil. Uma coisa literalmente de outro mundo. O nome dele é Rio Lima, um manancial com vazão média na foz de 324 mil m³/s, absolutamente livre de contaminação doméstica e industrial, de águas azuis, além de fauna e cobertura vegetal conservadas de acordo com as diretrizes da União Europeia.

 

 

Eu já o conhecia de outras épocas por passagens em Ponte de Lima. Duas vezes eu cruzei a sua ponte romana de 500 metros de vão, datada do primeiro século da era cristã, em caminhada de longo curso. Sabia que ele entregava água boa ao Oceano Atlântico depois de descer das terras altas da Galícia e demarcar a menor fronteira entre Portugal e Espanha. Sabia também da função ambiental estratégica que o manancial exerce na Península Ibérica.

 

 

O que eu não sabia é que a 17 km a montante das minhas passagens pelo Rio Lima existia Ponte da Barca, a vila mais linda que já conheci em quase 30 anos de viagem a Portugal. Também não tinha a menor ideia de que ela me levaria a uma outra vila mais muída, cujo nome diz tudo: Lindoso. Enquanto no Brasil rios poluídos e gentes poluidoras estão em permanente conflito existencial, nas águas do Rio Lima elas fazem perfeita união de corpos.

 

 

Eu caminhei por 9,6 km no interior do Parque Nacional Peneda-Gerês no Norte de Portugal. É uma reserva ambiental da natureza e das pessoas. Camponeses que estão há séculos domando um ambiente áspero e desafiador. As fontes de água correm cristalinas, as matas estão conservadas, os sítios pré-históricos se encontram como sempre foram e os monumentos medievais bem-cuidados.

 

Nos 69,6 mil hectares do parque existem áreas públicas e privadas, três níveis de conservação e atividades econômicas que vão da agricultura de subsistência à geração de energia hidroelétrica. Tudo absolutamente compatível com boas práticas ambientais. As políticas do setor não se resumem à proteção da biodiversidade do Peneda-Gerês. No entorno do parque há 100% de saneamento, com foco muito eficiente no tratamento e destinação de resíduos sólidos (lixo).

 

 

Lindoso é uma das quatro portas de entrada do Parque Nacional Peneda-Gerês. A vila de aproximadamente 50 habitantes é mesmo muita linda por ter um castelo erguido no século XIII, 68 espigueiros que raramente guardam o milho, e muitas casas abandonadas feitas em blocos de granito sem argamassa. Uma obra fantástica de engenharia.

 

A vila é o ponto partida da sexta etapa da Grande Rota 50 Peneda-Gerês, uma trilha de 190 km no Alto Minho. Ela está bem demarcada em campo, mas o excesso de mato me tirou a referência de direção. Ainda bem que eu tinha o Wikiloc, um aplicativo super recomendado pela precisão.

 

 

O começo da trilha passa por um terreno de nascentes muito enxarcado, depois entra por uma floresta coberta de musgo e segue margeando um longo muro construído em granito que lembra muito a forma dos magálitos do Neolítico.

 

Se em Lindoso é tudo muito bonito, a Parada de Lindoso, uma aldeia ainda menor, não fica atrás. Lá eu vi a provisão de lenha muito bem-arrumada para o inverno tenebroso que se avizinha. Conheci um pé de marmelo carregado do fruto vermelho. Meu Deus, há quantos anos eu não via uma porta fechada por tramela de madeira?

 

 

Encontrei Jesus, na cruz, esculpido em uma churrasqueira de granito e foi demais fotografar um saco de pão deixado na caixa dos Correios. Só não gostei da situação de uma pedra mó com função decorativa. Velha, mas muito conservada, ela me conta da saudade de moer o trigo. Triste, eu vou embora pela trilha coberta de folhas de uva a andar nas montanhas do Alto Minho.

 

Marcio Fernandes: Texto e fotografias

Este post foi escrito por: Marcio Fernandes

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2 comentários em "De Ponte da Barca ao Lindoso e as lições do Rio Lima"

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