terça-feira, 12 de novembro de 2024

“Doutor, o que é mesmo que eu tenho?”

 

Hiram Souza — Dias atrás postei um artigo abordando a conduta escandalosa da indústria farmacêutica brasileira, que descaradamente pratica a “empurroterapia”, gíria utilizada pelas redes de farmácias para vender remédios. Lá no artigo me comprometi a falar um pouco sobre a forma como a “nova medicina” vem sendo aplicada. Confesso que pensei bastante por ter amigos médicos com os quais me encontro habitualmente e filhos desses médicos, também médicos, que consulto com frequência. Esse artigo não vai abordar dados técnicos. Não disponho de conhecimento para isso. Vou falar da peregrinação que os pacientes são obrigados a fazer para ter algum resultado para suas angustias.

 

Tudo começou quando passei a ter tonturas sem pelo menos ter tido o prazer de beber. Fui ao meu médico, que entre outras coisas, é meu amigo de longa data e tem a minha idade. Disse a ele que estava tendo tonturas e gostaria de ver um neurologista e queria dele uma recomendação para essa especialidade. Após um longo papo e exames no consultório ele me disse: “Ok, você vai ver um neurologista, mas antes vai ver um cardiologista. Vvocê está com pressão alta.” Dito isso, fui atrás de um cardiologista, que por sinal já adquiriu fama e não atende pelos planos de saúde. Pediu diversos exames: carótidas, teste de esforço, um outro exame em que você passa 24 horas com um medidor de pressão etc. etc.

 

Após 22 dias voltei com uma custosa bateria de exames. Ao ler os resultados dos exames o cardiologista declarou alegre: “Ótimo, você não tem nada no coração, mas sua glicemia está alta” e tascou uma cavalar receita de remédios para combater a glicemia, ou pré-diabetes, o que evoluiu para uma gastrite. Primeira questão sobre a chamada “nova medicina”: se ele é cardiologista, por que receitou para outra especialidade, o que acabou gerando um segundo problema que eu não tinha?

 

Voltei ao meu amigo médico, que por sinal é especialista em cirurgias do estômago, e ele imediatamente pediu uma endoscopia; identificou uma gastrite e me prescreveu os remédios necessários. Lembrando que 40 dias antes eu fui visitá-lo me queixando de tonturas. Então, procurei um otorrino, que diagnosticou labirintite e daí partimos para uma corrida maluca aos especialistas, na qual cada um pede “trocentos” exames.

Como descobri que a legislação obriga os planos de saúde a liberarem os exames, então eles são pedidos às pencas, o que deve estar influenciando nos valores cobrados pelos planos de saúde. Descobri também a especialidade de otorrinolaringologista é dividida em três subespecialidades, conforme o nome explica: ouvidos, nariz e garganta. Mas na “nova medicina” têm especialistas só ouvidos, outros só para a garganta e outros só para o nariz. De posse dessa informação, começo a achar que a profissão deveria ser dividida por partes, algo como: “otonariz, otouvido e otogarganta”, assim poupariam o nosso tempo indo direto à razão do problema.

 

Brincadeiras à parte, o que me impressionou é que a grande maioria dos médicos atua no problema e não na causa. Em outras palavras, tratam imediatamente do problema sem se atentar para a causa o que, provavelmente, vai trazer o paciente de volta. Fico me perguntando que fim levou aquele velho e bom médico de família que procurava combater a causa do problema? Acho que esse personagem ficou velho como eu. Finalizando, ainda não fui ao neurologista; continuo com tonturas, estou parecendo aquele índio amigo do Zorro o Tonto, e desconfio que meu plano de saúde deve estar pensando em me demitir pela brutal quantidade de exames que tem sido solicitada pela prática da nova medicina.

 

Este post foi escrito por: Hiram Souza

As opiniões emitidas nos textos dos colaboradores não refletem necessariamente, a opinião da revista eletrônica.

Deixe uma resposta