Felicidades e tristezas
Luiz Gravatá — Na quinta-feira que passou meu amigo Fernando Sabino, um dos maiores cronistas deste país, teria feito 100 anos. Partiu em 2004, em um 11 de outubro, um dia antes de completar seus 81. Eu acompanhava o seu precário estado de saúde que lhe dava poucas possibilidades de defesa. Doença brava. Sabino preferia o recolhimento em seu apartamento na Rua Canning, em Ipanema.
Não se esquecia, no entanto, de enviar a cada um dos amigos o novo livro lançado, sempre com uma dedicatória carinhosa. Nas minhas, quase sempre com um “ao meu guru de informática”. Gentil, sagaz, inteligente, ansioso de saber, atencioso, amigo. Nos últimos anos de sua vida se recolheu, também magoado com as violentas críticas recebidas pela publicação da biografia autorizada “Zélia, uma paixão”, a Ministra da Economia de Collor.
As saídas de seu casulo eram poucas. Uma delas, eu me lembro, foi em 2003. Convidou alguns poucos amigos para uma jazz session no Cotton Club do Shopping Cassino Atlântico, em Copacabana. O conjunto All that Jazz ali prestava ao escritor homenagem pelos seus 80 anos. Fernando estava feliz. Circulava pelas mesas, conversava com um e com outro.
Também me lembro que lá estavam Zuenir e Mary Ventura, Sérgio Cabral pai, Mariozinho de Oliveira, Cícero e Laura Sandroni, Alcyone Abraão. Não me lembro de quem mais. A filha Verônica, cantora, deu uma canja. Lá pelas tantas ele ocupou o lugar do baterista – era o filho de Oscar Lorenzo Jacinto de la Imaculada Concepción Teresa Dias, o saudoso Oscarito – e mandou brasa, acompanhando nas baquetas – Oh when the saints go marching in, Mack the knive, Hello Dolly, Cheek to Cheek – e tantas outras músicas que ele tanto curtia.
Por telefone conversávamos com frequência, com promessas do uisquezinho e da conversa-fora. Poucas vezes o vi tão feliz quando lhe dei de presente uma garrafa de vodka. Não era uma vodka qualquer. Havia estado pouco antes na Ucrânia e tive a oportunidade de conhecer Tchetchelnyk, a cidadezinha onde nasceu a sua amiga Clarice Lispector. A bebida era fabricada lá e foi trazida em mãos, com o cuidado de quem carregava um ovo Fabergé cheio de rubis, diamantes e esmeraldas. Sabino havia publicado o “Cartas perto do coração”, correspondência trocada com Clarice de 1946 a 1969 e eu sabia que ele ia ficar feliz com a lembrança. Não deu outra.
Com o computador, Sabino tinha uma estranha relação. Por muito tempo usou uma das mais estranhas máquinas que conheci. Era uma editora de texto, um misto de computador e máquina de costura chamada Edite. Eu insistia para que trocasse a trapizomba por um computador simples, um 286 com o programa Word. Afinal, o grande problema era a dificuldade da tal máquina converter arquivos, o que levava à loucura seu amigo Roberto Braga, diretor do CPD da Editora Record, quando recebia o disco de 5 ¼ com os textos produzidos para um novo livro.
Tentávamos convencê-lo que um computador era muito mais simples de operar e que o disquete poderia ser lido por qualquer outro micro. Ele não se conformava e voltava sempre a perguntar a mim e a Roberto se nós realmente achávamos que a mudança era importante. Pedia e recebia, sempre, a mesma resposta: sim. Com tanta insistência, resolveu aposentar a velha Edite e comprar um 286, mesmo achando a antiga companheira muito melhor e mais eficiente do que o micro. Um belo dia, chego na casa dele e noto alguma coisa estranha no teclado de seu novo PC. Ele havia arrancado todas as teclas ALT, CAPS LOCK e NUM LOCK. Queria que seu micro se parecesse o mais possível com a sua velha Edite.
Sabino me deixou muito feliz (e exibido) quando me dedicou uma de suas crônicas. A “Minha nova namorada” era muito engraçada e foi publicada em seu livro “No fim dá Certo” (Ed Record, 1998), Dizia ele:
“Escrever, que durante tantos anos constituiu um tormento para mim, passará a ser um caso de amor. Nunca mais olharei sequer para a máquina de escrever. Serei radical: ou entregar-me a este conúbio com o computador, no suave embalo de suas teclas e no luzente sortilégio de suas letras, ou regredir à solidão do celibato, em companhia da austera e rascante pena de pato. Imagino só a felicidade de Tolstoi, se pudesse ter escrito todo o “Guerra e Paz” com a mesma facilidade com que passarei a escrever esta crônica no computador. Pois então lá vai, em homenagem ao amigo Gravatá, meu guru da Informática:” . E passava a escrever tudo errado, letras trocadas, a maior zona !
No texto, a ironia fina, inteligente, engraçada, de um dos maiores cronistas da Língua Portuguesa. Como a gente fala na Bahia, “morri de dar risada !” rsrs
Endereço da crônica http://www.gravata.com/geral/namorada.pdf
Sabino não completou seus 81 anos. Morreu no dia anterior, vítima de câncer no fígado. No seu epitáfio, a seu pedido, deixou escrito:
“Aqui jaz Fernando Sabino, que nasceu homem e morreu menino!”.
E partiu para se encontrar com seus maiores amigos que lhe esperavam no andar de cima: Rubem Braga e “Os Quatro Mineiros do Apocalipse” (o psicanalista Hélio Pellegrino, o jornalista Otto Lara Rezende e o poeta e cronista Paulo Mendes Campo). Que beleza deve ter sido o furdunço por lá, muito embora preferíamos que ele ficasse aqui para comemorarmos os seus 100 anos no andar de baixo… Com certeza.
Parabéns pela bela crônica Gravatá.
Parabéns
👏👏👏
Parabéns de belo texto grande Gravatá!