sábado, 27 de julho de 2024

Nascimento, vida e morte do vinho

 

Vinho morre, sabia? É, amigos leitores, sinto muito em dizer, mas a única certeza na vida de um vinho é que um dia ele vai morrer. Assim como na minha vida, ou na sua; quer coisa mais humana? A única certeza da vida é a morte!

 

Não existe certo ou errado, nem razão e respostas. Na vida, apenas uma coisa é certa, além da morte. Não importa o quanto você tente, não importa se são boas as suas intenções, você comete erros. Você irá machucar pessoas. E se machucar. Há apenas duas coisas que podem ser ditas: esquecer e perdoar. É um bom conselho, mas não muito prático.

 

Quando alguém nos machuca, queremos machucá-los de volta. Quando alguém erra conosco, queremos estar certos. Sem perdão, antigos placares  nunca empatam, velhas feridas nunca fecham. E o máximo que podemos esperar é que um dia tenhamos a sorte de esquecer. Assim como a vida, a composição de um vinho é muito complexa – tem a ver com as uvas, o corpo, os taninos e tudo o mais. O fato é que cada vinho é único e cada vinho tem seu tempo, a sua validade. Se algum dia alguém perguntar sobre uma certeza, direi que a morte é certa!

 

De tantos e muitos, no final restarão apenas você e ela… tudo aquilo que amava ficará; restarão as sementes do que foi plantado nos corações e brotarão as emoções de uma bela colheita; ou não!

 

Então, vamos imaginar a linha de vida de um vinho. Tudo começa quando acaba a fermentação e o vinho se torna, de fato, um vinho. É inevitável que o vinho e o ar se encontrem nesse momento, ou seja, começa a oxidação. Claro que é uma oxidação mínima, pois os barris de carvalho, os tanques de inox, a garrafa, foram todos feitos para evitar que o processo aconteça. Acontece pouco, mas acontece.

 

Nessa fase, a oxidação é desejável – ela revela os sabores, deixa-os mais profundos, amacia a potência, deixa o vinho mais fácil e mais gostoso de se beber. O vinho começa a evoluir e isso é muito bom! Porém, uma hora, ele chega ao auge. E sabe o que espera qualquer um  depois de seu auge? A decadência! Quando atinge o seu ponto alto, o vinho começa perder suas propriedades, os sabores vão ficando passados, como o de uma fruta que amadureceu demais; a acidez se perde, fica “chocho”.

 

Tintos muito descoloridos e brancos muito escuros podem ser indícios de decrepitude. Isso até o fim. Daí o vinho vira vinagre. Como é a vida! Só que no nosso caso, viramos pó. Talvez a morte tenha mais segredos para nos revelar do que a vida. É o único consolo que sinto ao pensar na inevitabilidade da minha morte; é o mesmo que se sente quando o barco está em perigo: encontramo-nos todos na mesma situação. A morte nos ensina a transitoriedade de todas as coisas. A convivência mais próxima com a natureza e a consequente observação do ciclo vital de todos os seres vivos nos permitem sentir que somos parte desse conjunto. E aí a morte é aceita, por sua vez, como parte da existência.

 

A vida flui como um rio deslizando em verdejantes planícies. As pessoas que desejam redescobrir o sentido da vida devem vivê-la na melhor.

 

A morte não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si. De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Tolice é viver a vida assim, sem aventura e feliz de quem atravessa a vida inteira tendo mil razões para viver numa viagem louca, que termina no desconhecido.

 

Viva a vida no caminho, porque a jornada é mais importante que a chegada. Eu acredito que o sentido da vida seja trazer sentido a outras vidas! Um vinho “morto” não terá mais nada a oferecer com o tempo. Por isso, há quem diga que é melhor abrir um vinho um dia antes do seu apogeu do que um dia depois. Mas, quando é esse apogeu? Ninguém realmente sabe.  Assim como o vinho, a vida é de quem se permite viver e não morrer no vazio. Viva pelo prazer, porque a morte nos espera!

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Este post foi escrito por: Edna Gomes

As opiniões emitidas nos textos dos colaboradores não refletem necessariamente, a opinião da revista eletrônica.

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