sexta-feira, 26 de julho de 2024

“Ninguém fala português bem no Brasil”

 

Enquanto muitos ficam boquiabertos com as declarações dos professores de inglês, segundo as quais 99% dos brasileiros não falam bem a língua de Shakespeare, Amanda Pessoa quer mais é derrubar queixos de vez com a conclusão estampada no título desta entrevista. Estudiosa do português desde sempre, acha que o problema começa na alfabetização, mas tem muita preguiça envolvida no processo de formação dos brasileiros, que precisam, sim, estudar e entender a própria língua. Ela, que hoje mora em Paris, dá dicas e aulas de português na internet. De lá concedeu à revista eletrônica essa maravilhosa entrevista.     

 

BBNewsEntrevista – Por que grande maioria dos brasileiros não fala bem a própria língua? O problema é da escola ou da complexidade do português?

 

Amanda Pessoa – O português tem muitas regras, não posso discordar disso, mas nós nascemos ouvindo nossa língua, crescemos com ela. Infelizmente, temos problemas sérios no ensino básico, começando na alfabetização. Somado a isso, temos os egressos das faculdades de letras advogando todo tipo de loucura com o discurso de que a comunicação pura e simples é suficiente. O problema é que ela não é, e a vida real cobra caro pelos erros que cometemos.

 

 

BBNewsEntrevista – Quais tipos de erros são os mais comuns? E os que mais doem nos ouvidos?

 

Amanda Pessoa – Há uns dois anos, descobri que a maioria dos brasileiros usa “ciclano” no lugar de “sicrano” porque acham esta palavra feia, mas não pensam o mesmo daquela. Eu fiquei besta com essa revelação. Mas, para mim, o pior mesmo é o uso de preposição terminando frase, moda péssima que começou com o “sobre”, mas que se alastrou.

 

 

BBNewsEntrevista – Você acha que a internet (e o vocabulário usado nas redes sociais) nocauteou o bom português?

 

Amanda Pessoa – Não acho que a culpa é da internet, mas nossa. Por não sermos apaixonados por quem somos e por não termos orgulho da nossa origem, acabamos por permitir que o inglês ganhe espaço. A culpa é nossa.

 

 

BBNewsEntrevista – Em que região do Brasil se fala melhor o português?

 

Amanda Pessoa – Ninguém fala português bem no Brasil. No Sudeste, as pessoas erram mais, mas não se dão conta, o que é péssimo. É muito comum ver gente julgando quem fala “pobrema” enquanto termina frase com preposição crente que está abafando.

 

 

BBNewsEntrevista – Há brasileiros que moram no exterior e tropeçam na língua materna ou se esquecem de alguns vocábulos durante uma conversa. É esnobismo ou a chave da memória não vira mesmo automaticamente?

 

Amanda Pessoa – Acho que há as duas coisas. Tem muita gente que mora fora e diz que desaprendeu o português. Eu moro fora e, para minha surpresa, já me peguei com dificuldade de dizer alguma coisa em português, mas não é frequente.

 

 

BBNewsEntrevista – O que você acha da quantidade de neologismos que surgem atualmente? A língua não tem vocábulos suficientes?

 

Amanda Pessoa – Acho que neologismos são naturais, porque a vida muda, o comportamento muda. Precisamos de palavras que nomeiem as novidades.

 

 

BBNewsEntrevista – Você concorda que o português falado no Brasil está se distanciando muito do de Portugal?

 

Amanda Pessoa – Acho que já se distanciou e há muito tempo. Temos a mesma base, mas não passa muito disso.

 

 

BBNewsEntrevista – Há técnicas para se aperfeiçoar a fala – e escrita – correta da língua?

 

Amanda Pessoa – A técnica é estudar: sentar a bunda na cadeira, abrir um livro e sair lendo e anotando tudo. Não tem fórmula mágica. O problema é que estamos cada vez mais preguiçosos, não queremos raciocinar, queremos tudo pronto.

 

 

BBNewsEntrevista – Nas suas dicas via Instagram você tem um feedback de quais são as maiores dificuldades com a língua?

 

Amanda Pessoa – As pessoas têm muitas dificuldades básicas: não sabem usar bem os sinais de pontuação, não conhecem as grafias das palavras, não sabem identificar estrangeirismos quando se deparam com um.

 

 

BBNewsEntrevista – E por falar em feedback, o que você pensa do excesso de palavras da língua inglesa incorporadas nas conversas e textos do dia a dia?

 

Amanda Pessoa – Acho horrível, considero um atestado de ignorância e de desamor pela nossa língua portuguesa, que é tão bonita e tão rica.

 

 

BBNewsEntrevista – Como você tomou gosto pelo estudo da língua portuguesa?

 

Amanda Pessoa – Eu sempre tive facilidade com as regras de português e, além disso, amava sair corrigindo os outros. Não me orgulho desta parte, mas foi isso de expor erros que encontrava em livros publicados que me fez começar a falar de português no Instagram. Aí, peguei gosto e aqui estou.

 

 

BBNewsEntrevista – E o que você acha da linguagem de gênero?

 

Amanda Pessoa – Acho o fim. Se o nosso povo se dispusesse a estudar o próprio idioma e soubesse que o gênero neutro do português não discrimina ninguém, essa discussão nem existiria. Mas estudar é trabalhoso, e estamos cada vez mais preguiçosos. Sem falar que o que se chama de linguagem inclusiva, na verdade é exclusiva, porque exclui várias minorias e a maioria, para privilegiar uma minoria que não se identifica com o próprio gênero.

 

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Este post foi escrito por: Britz Lopes

As opiniões emitidas nos textos dos colaboradores não refletem necessariamente, a opinião da revista eletrônica.

5 comentários em "“Ninguém fala português bem no Brasil”"

  • Avatar Jaclin Jawabri disse:

    Adorei a entrevista Britz.

  • Anna Paula Anna Paula disse:

    👏👏👏👏👏👏👏 muito claro !! Concordo em tudo

  • Avatar Robson Pereira disse:

    Faço aqui uma observação. Eu estudei Português a vida toda. Quando estava na oitava série, último ano do antigo primeiro grau, comecei a estudar para concurso, logo quando terminei. Tive que decorar regras de acentuação para palavras paroxítonas, proparoxitonas e oxítonas (regras sem fim). Regras de interpretação de texto, e tudo o mais que compõe o grupo de gramática portuguesa. Descobri que o que aprendemos na escola, são 30%, no máximo, do que deveríamos aprender. Estudei em colégio público. E não só Português, também matemática e etc… Isso foi em 1985. Não quero nem imaginar hoje em dia. Estou em Portugal, e como sabem, no Sudeste, usamos o “você” (vossa mercê) ( vós micê) e em Portugal, para tratamento impessoal, usa-se senhor e senhora para todos, e para tratamento pessoal, o tu (inclusive muitos avisam ao se referir dessa forma) O uso do você na terceira pessoa nos trás uma conjugação semelhante ao que temos com o Senhor ou Senhora, por exemplo: o senhor vai… a senhora vai, e utilizando o você usamos o: “você vai” que serve para ambos os gêneros. Ao utilizar o tu, aí começa o problema principalmente para os cariocas e paulistas, não para os nordestinos e gaúchos, mas para os moradores do sudeste do páis, ao utilizar o mesmo verbo na segunda pessoa: tu vais, ou tu fizestes (no pretérito perfeito). Que é comum a sua utilização em Portugal.

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