sábado, 27 de julho de 2024

O voo da aeromoça estabanada e um curitibano que ameaçou regurgitar

 

Em voo de longa distância só existem duas opções: ou você está regiamente instalado na classe executiva e será chamado de cavalheiro ou vai sacolejar no poleiro na condição de impessoal passageiro. Eu não acreditei quando fui buscar meu assento no fundo da aeronave de uns 30 anos de uso, com o apoio da cabeça meio gosmento, lotada até a tampa e sem aquele dispositivo de ventilação individual.

 

 

O brasileiro é muito interessante em aeroporto. Não adianta a atendente no balcão de embarque pedir para o pessoal permanecer sentado até que seja chamada a zona correspondente. Todo mundo se levanta e forma inutilmente a fila. Aquela bagunça esparramada. É o povo mais fura-fila do planeta. Pior do que chinês. Dentro do avião, não consegue ler o número do assento. Onde fica a poltrona 31? A poltrona 31, meu filho, é exatamente entre a 30 e a 32! Poltrona não voa, é só ler. Carara!

 

 

Sempre faço minha oração para ninguém ficar ao meu lado, mas o voo estava completamente cheio e veio um casal de Curitiba ao meu lado. Incrível! Curitibanos sem esnobismo é coisa rara de ver. Geralmente, minha regra é não dar conversa para passageiro ao lado por considerar a providência completamente inútil. Falar sobre o quê? Amei a Fontana de Trevi? Comi aquela paella preta em Barcelona? Tirei self na Torre Eiffel? Quantas horas até São Paulo?

 

 

Eu não entro no Projeto Eu Amo o Meu Brasil! A volta para mim é de dolorosa saudade da Europa. Antecipo a agonia do retorno ao calor insuportável de Goiânia, das contas a pagar, do vinho Malbec em liquidação, da bagunça do Aeroporto de Guarulhos. Meu Deus! Minhas expectativas da volta estariam mais positivas se o seu Jacy, meu barbeiro, não tivesse morrido. Grande figura de 87 anos que tinha a honra de ter cortado várias vezes o cabelo do ex-governador Otávio Lages no Palácio das Esmeraldas. Conversador e criador de curió!

 

 

A verdade é que eu estava varado de sono e apaguei antes da decolagem e só fui acordar com um delicado toque da aeromoça em crise de dislexia que servia o jantar. Eita moça estabanada! Pior do que eu! Deixou cair a tampa que forra a comida, me serviu café em vez de chá, tropeçou duas vezes na poltrona! Um espetáculo! Você pode escolher pasta com molho de tomate, filé com legumes ou salada de frango! Não existe nada mais excomungado do que salada de frango! É como quibe com catupiry! Só em Goiás! Fui de filé, mas não deu para comer. Não era filé. Era uma sola de sapato com aspecto cadavérico e os tais legumes se resumiam a vagem amanhecida. Nem estava realmente com fome e tudo piorou quando o curitibano recusou o jantar.

 

 

Caraca! O cara estava muito pálido, espremido na poltrona do meio, suando a bicas com dor de cálculo renal. Resolvi ligar o modo solidariedade, fiquei amigo dele e o apoiei integralmente na recusa da comida, pois ele me revelou que poderia vomitar. Tinha tomado doses excessivas de analgésico! Era o que me faltava mesmo! Receber uma enxurrada de vômito em voo de 10h20 de duração. Cedi a ele a minhas bolachas e não recomendei passar aquele queijo artificial em  formato de triângulo. Vômito de queijo no colo não é algo que pudesse ser considerado positivo. Ainda sugeri ao cara tomar chá. Toma um chazinho de camomila, evita o enjoo! Disse que ele poderia usar aquele meu saquinho para vômito sem problema! O curitibano foi um valente! aguentou a dor sem reclamar e não vomitou em mim. Espetáculo!

 

 

Normalmente não consigo dormir em voo. Tenho medo grande de altura! E de cachorro! Toda vez que a aeronave sofre uma turbulência eu verifico a posição geográfica no display disponível no assento da frente para facilitar o resgate. Estudei geografia na universidade e nada mais me diverte do que determinar a proa em uma bússola ou calcular o rumo certo a partir da posição do sol. E se o avião cai à noite no meio do Oceano Atlântico? Acha que vai adiantar alguma coisa determinar o Sul e usar aquele colete salva-vidas amarelinho? Não vai! Morreu e não será enterrado. Comida de tubarão!

 

 

Se você não tem grana para viajar de classe executiva existe uma solução para sobreviver no poleiro da aeronave. Tome um comprimido de Zolpidem e você irá para o céu! A conjunção do cansaço e Zolpidem alterou completamente minha viagem! Consegui dormir umas boas seis horas e só acordei quando o trem de pouso bateu com força na pista do Aeroporto de Guarulhos. Espetáculo! Estava inteiro! Pronto para roçar um quintal grande e depois pajear a Nina por uma tarde!

 

 

A prática da positividade gratiluz mudou minha vida! O voo para Goiânia sairia de Congonhas. Roubada grande, mas não tive escolha! Esperei três horas pelo ônibus da Latam e mais duas no aeroporto. Fazer o quê! Não estava com disposição para leitura e carregar livro com a mochila pesada estava fora de cogitação. Era domingo, o aeroporto vazio, descolei um lugar absolutamente isolado, fiz cara feia para quem se aproximava e fui ouvir Beatles. Quando estou no perrengue adoro me compadecer com a situação da Eleanor Rigby! All the lonely people! Where do they are come from!

 

 

Cheguei em casa, entreguei os presentes da Sururu, ela como sempre se sentiu sonegada no socorro dos regalos por não ter ganhado medalha do Lênin nem poster de Campo de Concentração em litografia que comprei em Tbilisi de um judeu mala. Acabei morrendo no troco grande que trouxe em euro e ainda rolou um bate fundo expressivo! A fila anda!

 

 

O positivo único e definitivo vai para Britz! Vou dar um jeito de correr com a papelada em São Paulo e me casar com você! Vejam vocês se tem cabimento! Agora tomar um vinho europeu com o Generalíssimo e aprimorar o poder do pensamento positivo já que não funcionou o setor de fazer amigos e conquistar as pessoas!

 

 

A música de hoje é For No One, com aquele solo de trompa sensacional e a voz de Paul MacCartney, meu Beatle preferido!

 

Marcio Fernandes é jornalista

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Este post foi escrito por: Marcio Fernandes

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3 comentários em "O voo da aeromoça estabanada e um curitibano que ameaçou regurgitar"

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